Acordei. Ela ainda dormia. Levantei devagar e fui fazer meu
café de todo dia. Levei comigo o maço de cigarros. Botei a água para ferver
enquanto tragava a primeira fumaça do dia. O silêncio das seis horas da manhã é
ainda mais quieto. Uma, duas e três colheres cheias de pó preto. As bolhas
estourando na superfície da água avisam que posso desligar o fogo e brincar de
alquimista. Preparo devagar o café que vai me encher a boca com o sabor único
que me leva ao melhor da minha infância no primeiro gole.
...
Ela continuava dormindo e por isso fui para a sala pensar,
fumar, escrever. Comecei sem saber aonde iria e logo, entre um gole e outro,
voltei aos tempos de menino e sorri.
Lembrei-me de quando conheci a menina dos olhos verdes. Acho
que foi no primeiro ano do colégio. Era uma menina normal, não fossem seus olhos
quase hipnóticos.
Como sempre fui curioso, olhava para os outros todo o tempo
e quando a encontrava entre as outras crianças parava para flertar com seus
olhos. Ela não me via, talvez até sentisse meu olhar, mas não me via. E, quando
virava na minha direção eu pulava rápido e me endireitava na cadeira como se
nada estivesse acontecendo.
No recreio, quando não estava correndo ou jogando bola no
time dos lagartos que enfrentavam os cobras como um saco de batata enfrenta a
luva de um boxeador, passava meu tempo sentado na arquibancada a beira do campo
de futebol. Na minha frente crianças corriam sem destino, ao lado passavam
grupos de todos os tipos. Ela sempre estava em um desses grupos e eu sempre
olhava para ela com um olhar que transbordava carinho.
Poucas foram as vezes em que tive a chance de chegar um
pouco mais perto daqueles olhos que tanto me encantavam. A vida seguiu em
frente e me perdi em outros caminhos.
...
Procurei por muitos anos olhos verdes, doces e fundos como
aqueles. Olhos verdes sempre me fascinaram. Mas não podia ser qualquer olho. Falo
de olhos que contém doses profundas de olhares doces.
Minha paixão por algumas das pessoas que mais amei na vida
começou com o olhar. Gosto de gente que olha de frente, que tenta me ver por
dentro e que quando se dá conta já está dentro de mim.
Me convenci de que os olhos não mentem. Pessoas mentem. Pessoas
abrem mão de viver o melhor da vida por medo, por insegurança, por traumas, por
acreditarem que existe mais em algum outro lugar. Mas o olhar não mente. Ele sempre
diz o que quer dizer, pede o que quer pedir, ama o que quer amar.
...
No rádio Cazuza canta que quer a sorte de um amor tranquilo,
com gosto de fruta mordida. Ela levanta e vem me perguntar porque a acordei tão
cedo. Peço desculpas, não queria acordá-la. Ela sorri apenas e me beija um bom
dia com um leve carinho no meu cabelo. Retribuo com um sorriso e um olhar. Lindo
dia pra você, minha doce fantasia de olhos verdes.
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