sábado, 6 de julho de 2013

Bom dia fantasia

Acordei. Ela ainda dormia. Levantei devagar e fui fazer meu café de todo dia. Levei comigo o maço de cigarros. Botei a água para ferver enquanto tragava a primeira fumaça do dia. O silêncio das seis horas da manhã é ainda mais quieto. Uma, duas e três colheres cheias de pó preto. As bolhas estourando na superfície da água avisam que posso desligar o fogo e brincar de alquimista. Preparo devagar o café que vai me encher a boca com o sabor único que me leva ao melhor da minha infância no primeiro gole.

...

Ela continuava dormindo e por isso fui para a sala pensar, fumar, escrever. Comecei sem saber aonde iria e logo, entre um gole e outro, voltei aos tempos de menino e sorri.

Lembrei-me de quando conheci a menina dos olhos verdes. Acho que foi no primeiro ano do colégio. Era uma menina normal, não fossem seus olhos quase hipnóticos.

Como sempre fui curioso, olhava para os outros todo o tempo e quando a encontrava entre as outras crianças parava para flertar com seus olhos. Ela não me via, talvez até sentisse meu olhar, mas não me via. E, quando virava na minha direção eu pulava rápido e me endireitava na cadeira como se nada estivesse acontecendo.

No recreio, quando não estava correndo ou jogando bola no time dos lagartos que enfrentavam os cobras como um saco de batata enfrenta a luva de um boxeador, passava meu tempo sentado na arquibancada a beira do campo de futebol. Na minha frente crianças corriam sem destino, ao lado passavam grupos de todos os tipos. Ela sempre estava em um desses grupos e eu sempre olhava para ela com um olhar que transbordava carinho.

Poucas foram as vezes em que tive a chance de chegar um pouco mais perto daqueles olhos que tanto me encantavam. A vida seguiu em frente e me perdi em outros caminhos.

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Procurei por muitos anos olhos verdes, doces e fundos como aqueles. Olhos verdes sempre me fascinaram. Mas não podia ser qualquer olho. Falo de olhos que contém doses profundas de olhares doces.

Minha paixão por algumas das pessoas que mais amei na vida começou com o olhar. Gosto de gente que olha de frente, que tenta me ver por dentro e que quando se dá conta já está dentro de mim.

Me convenci de que os olhos não mentem. Pessoas mentem. Pessoas abrem mão de viver o melhor da vida por medo, por insegurança, por traumas, por acreditarem que existe mais em algum outro lugar. Mas o olhar não mente. Ele sempre diz o que quer dizer, pede o que quer pedir, ama o que quer amar.

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No rádio Cazuza canta que quer a sorte de um amor tranquilo, com gosto de fruta mordida. Ela levanta e vem me perguntar porque a acordei tão cedo. Peço desculpas, não queria acordá-la. Ela sorri apenas e me beija um bom dia com um leve carinho no meu cabelo. Retribuo com um sorriso e um olhar. Lindo dia pra você, minha doce fantasia de olhos verdes.



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