Por quê?
O menino perguntava a cada cinco minutos, como perguntam todos os
meninos. Nada passava em branco sem que a pergunta se repetisse. A mãe,
pacientemente respondia a todas as perguntas sem furtá-lo de nenhuma resposta.
Quando a situação se invertia, algumas vezes ele economizava palavras dizendo
apenas “porque sim”. Mal acabava a frase e ganhava um “porque sim não é
resposta”. A mãe lhe dizia: se você não tem argumentos, você não tem razão.
....
Tá chegando?
As viagens de carro com o irmão eram sempre longas, apesar de sempre
esperadas com ansiedade. Entrar no carro e pegar a estrada era como sair pela
porta da vida para conhecer outras vidas que ele ainda não conhecia. Mas ficar
no carro, a caminho de qualquer destino, era uma tortura. O esperto motorista da
família aprendeu a contar histórias para passar o tempo e ele adorou. Não eram
histórias de contos de fadas, eram histórias sobre a vida real, sobre como ele
dormia armado perto da caixa d’água no prédio onde morava e assim conseguia um
lugar fresco e seguro, ou sobre como ele deu um tiro no pé de um cara que perguntou
se ele tinha comprado coragem junto com a arma. Ele se divertia. Quando faltavam
histórias, o motorista ligava o rádio para ouvir “A Vida como Ela é” e o menino
torcia para que não tivesse chegando.
....
Papai Noel existe?
Todo Natal era a mesma coisa. A ansiedade tomava conta dos irmãos.
Natal significava família e significava viagem para São Paulo para uma noite de
alegria (até a primeira briga) com muitas histórias pra contar. Por volta da
meia noite surgia sempre o Papai Noel que distribuía os presentes para as
crianças. Todos olhavam muito desconfiados para ele e para o resto da sala para
ver quem estava faltando entre os tios. Só que fantasia é fantasia e o prazer
de estar do lado de um bom velhinho, que só faz bem as pessoas e que distribuí
presentes e dá bons conselhos turvava a visão de todos. A pergunta era sempre a
mesma: papai Noel existe? E ela era feita antes da ceia e no dia de Natal,
diversas vezes. Sempre foi assim, até o menino tropeçar na sacola com as roupas
do papai Noel que alguém deixou na escada da casa dos seus avós. Ele viu a
máscara e todo o resto e preferiu não contar nada pra ninguém, os primos mais
novos ainda teriam algumas noites de Natal pela frente.
....
Pra onde vão os mortos?
Ainda novo o menino perdeu sua avó amada. Ela era feita apenas de
carinho e amor. Todas as vezes que ele e seu irmão chegavam a sua casa havia
uma corrida para ver quem alcançava primeiro o seu colo. Ela ficava numa
felicidade impressionante. Sempre havia pequenas surpresas esperando pelos
dois. Fosse um doce de leite, fosse uma caixa de chocolate escondida na gaveta
de luvas, fosse o que fosse. Sempre havia uma surpresa. Um dia, depois de algum
tempo de agonia, a mãe do menino contou que a avó havia morrido. O menino
entristeceu genuinamente. Não chorou de imediato. Ficou perplexo se perguntando
o que aconteceria. Não haveria mais o seu carinho? Não haveria mais o seu amor?
Não haveria mais as surpresas de sempre? E a mãe, ainda sofrendo a perda da mãe
explicava que ela estaria sempre por perto, cuidando de todos. E ele não
entendia e queria saber: para onde vão os mortos?
....
Palhaço chora?
O fascínio do circo sempre foi o maior fascínio do menino. No circo, a
vida se apresenta de várias formas. Animais são domados da mesma forma que os
problemas devem ser. Malabares voam alto e permanecem sob controle da mesma
forma que as responsabilidades são. Os equilibristas saltam rumo ao vazio com a
mesma coragem necessária para viver e os palhaços arrancam emoções e sorrisos
únicos, como só os amigos também fazem. Uma vez, em um circo em que os palhaços
eram a maior atração, ele riu tanto, mas tanto, mas tanto, que ao final, quase
sem fôlego, imaginou como seria a vida só de sorrisos e perguntou: mamãe,
palhaço chora?
Nenhum comentário:
Postar um comentário