sexta-feira, 5 de julho de 2013

Questões de Menino



Por quê?

O menino perguntava a cada cinco minutos, como perguntam todos os meninos. Nada passava em branco sem que a pergunta se repetisse. A mãe, pacientemente respondia a todas as perguntas sem furtá-lo de nenhuma resposta. Quando a situação se invertia, algumas vezes ele economizava palavras dizendo apenas “porque sim”. Mal acabava a frase e ganhava um “porque sim não é resposta”. A mãe lhe dizia: se você não tem argumentos, você não tem razão.

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Tá chegando?

As viagens de carro com o irmão eram sempre longas, apesar de sempre esperadas com ansiedade. Entrar no carro e pegar a estrada era como sair pela porta da vida para conhecer outras vidas que ele ainda não conhecia. Mas ficar no carro, a caminho de qualquer destino, era uma tortura. O esperto motorista da família aprendeu a contar histórias para passar o tempo e ele adorou. Não eram histórias de contos de fadas, eram histórias sobre a vida real, sobre como ele dormia armado perto da caixa d’água no prédio onde morava e assim conseguia um lugar fresco e seguro, ou sobre como ele deu um tiro no pé de um cara que perguntou se ele tinha comprado coragem junto com a arma. Ele se divertia. Quando faltavam histórias, o motorista ligava o rádio para ouvir “A Vida como Ela é” e o menino torcia para que não tivesse chegando.

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Papai Noel existe?

Todo Natal era a mesma coisa. A ansiedade tomava conta dos irmãos. Natal significava família e significava viagem para São Paulo para uma noite de alegria (até a primeira briga) com muitas histórias pra contar. Por volta da meia noite surgia sempre o Papai Noel que distribuía os presentes para as crianças. Todos olhavam muito desconfiados para ele e para o resto da sala para ver quem estava faltando entre os tios. Só que fantasia é fantasia e o prazer de estar do lado de um bom velhinho, que só faz bem as pessoas e que distribuí presentes e dá bons conselhos turvava a visão de todos. A pergunta era sempre a mesma: papai Noel existe? E ela era feita antes da ceia e no dia de Natal, diversas vezes. Sempre foi assim, até o menino tropeçar na sacola com as roupas do papai Noel que alguém deixou na escada da casa dos seus avós. Ele viu a máscara e todo o resto e preferiu não contar nada pra ninguém, os primos mais novos ainda teriam algumas noites de Natal pela frente.

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Pra onde vão os mortos?

Ainda novo o menino perdeu sua avó amada. Ela era feita apenas de carinho e amor. Todas as vezes que ele e seu irmão chegavam a sua casa havia uma corrida para ver quem alcançava primeiro o seu colo. Ela ficava numa felicidade impressionante. Sempre havia pequenas surpresas esperando pelos dois. Fosse um doce de leite, fosse uma caixa de chocolate escondida na gaveta de luvas, fosse o que fosse. Sempre havia uma surpresa. Um dia, depois de algum tempo de agonia, a mãe do menino contou que a avó havia morrido. O menino entristeceu genuinamente. Não chorou de imediato. Ficou perplexo se perguntando o que aconteceria. Não haveria mais o seu carinho? Não haveria mais o seu amor? Não haveria mais as surpresas de sempre? E a mãe, ainda sofrendo a perda da mãe explicava que ela estaria sempre por perto, cuidando de todos. E ele não entendia e queria saber: para onde vão os mortos?

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Palhaço chora?


O fascínio do circo sempre foi o maior fascínio do menino. No circo, a vida se apresenta de várias formas. Animais são domados da mesma forma que os problemas devem ser. Malabares voam alto e permanecem sob controle da mesma forma que as responsabilidades são. Os equilibristas saltam rumo ao vazio com a mesma coragem necessária para viver e os palhaços arrancam emoções e sorrisos únicos, como só os amigos também fazem. Uma vez, em um circo em que os palhaços eram a maior atração, ele riu tanto, mas tanto, mas tanto, que ao final, quase sem fôlego, imaginou como seria a vida só de sorrisos e perguntou: mamãe, palhaço chora?



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