quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Alvorada


Minha cabeça vai a toda... dispara na frente. Segue seu rumo sem se dar ao trabalho de me dizer pra onde está indo. Quanta coisa cabe aqui dentro, impressionante. Coisas que começam a acontecer na alvorada (adoro essa palavra). Tomam forma enquanto tomo a primeira das três necessárias canecas de café. E voam. Saem pela janela na forma de pássaros ou de borboletas azuis ou amarelas.

Quando me dou conta, estou em frente a um teclado. Visitando minhas lembranças. Procurando as razões das coisas serem como são, como se elas existissem de fato e escrevendo qualquer coisa que me ajude a me entender. Escrevo apenas para ler minhas palavras. Não as meço, as absolvo.

Música é um começo. Nina Simone vem me fazer companhia. Conta a história de um certo senhor Boojangles, diz que my baby just cares for me, confessa que put a spell on you e segue aveludando o ar que respiro. Um lindo piano faz a base, mas é ela que colore o som.

Insisto em não olhar para o meu coração confuso e complicado. Insisto em negar para mim mesmo o óbvio e sigo na busca do impossível, de novas fantasias, novos mundos, novas palavras, novos encontros. Inútil, eu sei. Mas não me restam opções. Sigo negando o óbvio sentimento solitário. Sigo de olhos abertos para não olhar meus sonhos. Sigo na realidade para não pensar na doce fantasia. Sigo e sinto.

Melhor voltar a atenção para todo o trabalho fascinante que me aguarda. Esquecer o por do sol, esquecer o som das ondas, esquecer apenas...



quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Conselho


Sempre que a vida lhe chamar. Escute.
Sempre puder ouvir o mar. Escute.
Sempre que houver amor para amar.
Não escute, nem discuta.

Se o sol nasce pra brilhar. Olhe bem.
Se a lua cresce até encher. Olhe bem.
Se um dia o amor chegar.
Feche os olhos e sorria. Fique bem.

Sinta o gosto do prazer.
Sinta a pele arrepiar.
Sinta o sonho acontecer.

Sinta o amor e sinta o amar.


Ciranda, cirandinha...



A vida é uma grande brincadeira de roda, perfeita pra quem acredita ser um menino e se dispõe a encarar o que vier pela frente com um sorriso no rosto. Tudo começa com um entrelaçar de mãos, várias mãos. Alguém puxa a música e você começa a rodar em torno do nada, vai para um lado e depois vai para o outro, e ri, ri muito. Vai para frente e vai para trás, sem nunca soltar as mãos e sem nunca esquecer o sorriso.

Seu espírito cantava junto com você e você sequer se dá conta disso. Hoje, você acha que não é você a criança da sua memória, mas é! Era você na sua essência que rodava, que cantava e que sorria. Hoje, você que não faz mais isso, acha que é coisa daquele tempo em que você era ingênuo, tolo, infantil, etc. e se esquece de que também era feliz, muito mais feliz do que é hoje.

Por isso existe em mim um menino que escreve e que põe para fora o sentimento ingênuo, tolo e infantil que me trazem de volta a felicidade dos dias de ciranda. É difícil para os outros que não são mais nem ingênuos, nem tolos, nem infantis entenderem que existe gente como eu (e o meu menino interno) que prefere ser assim. Negar essa existência faz supor que por trás das coisas que escrevo existe uma mente maquiavélica em busca da oportunidade de seduzir, de se mostrar, de ser curtido e compartilhado. Sei, sei. E o ingênuo, tolo e infantil sou eu. Tá certo. Só rindo.

Muitas vezes na vida o menino apanhou feito gente grande. Ouviu palavras que não merecia ouvir, foi questionado, ridicularizado, rejeitado e teve que ficar de castigo. É a forma que algumas pessoas encontram para matar o menino. Duvidar da sua existência torna mais fácil sair de dentro da roda e ir brincar de adulto, que por sinal é uma brincadeira muito chata.

Mas a ciranda de roda segue rodando. A música segue convidando as pessoas a cirandar, a dar a meia volta ou a dar a volta e meia. E o menino segue a vida rodando e cantando e sorrindo.

Por mais ingênuo, tolo e infantil é essa a vida que ele escolheu.


Vamos todos cirandar...


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Proibido

Lá vem ela... a tal vontade de escrever.
Ela chega de manhã de tarde, de noite.
Ela sempre vem pra puxar meus dedos e,
com eles, traçar linhas em busca de um sentido.

.... ..... .....

Proibido

Fica proibido acreditar.

Duvide. Duvide sempre do amor fácil.
Duvide de quem assiste o por do sol ao seu lado olhando para você.
Duvide de quem ouve e não responde.
Duvide dos sonhos que você sonha sozinho.
Duvide do seu próprio amor até ele duvidar de você.

Fica proibida a verdade.

Minta sem dó nem piedade, para quem não acredita.
Minta sobre a felicidade, sobre a alegria, sobre a companhia.
Minta sobre o tempo, sobre o cheiro, sobre o toque.
Minta para quem quiser, só não minta para você.

Fica proibido o amor.

Goste, mas não ame.
Seja, mas não pareça.
Namore, mas não case.
Receba, mas não se entregue.

Fica proibido o simples.

Faça tudo de um jeito que só você entenda.
Fale difícil, complique até o sol, a chuva, o mar.
Fique estranho, vez por outra.
Faça perguntas que não têm resposta.
Seja complexo o tempo todo.

Fica proibida a cumplicidade.

Faça tudo como se estivesse sozinho.
Faça carinho apenas para sentir seus dedos.
Beije somente para sentir seus próprios lábios.
Proteja-se do outro.

Fica proibida a coragem.

Tenha medo de amar. Não se arrisque.
Tenha medo de viver. Prefira o morno.
Tenha medo de sentir e muito medo de falar.

Fico proibido também.

Proibido de ser quem sou.
Proibido de buscar amor.
Proibido de escrever, de sonhar de viver.


E, principalmente, proibido de proibir.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Afeto e Amor


Até onde consegui entender, o afeto pode e deve ser parte do amor, mas sozinho ele não é amor. Afeto é a vontade de ver o outro feliz, bem, sorridente e satisfeito com o momento e com a própria vida. Afeto é querer bem, muito bem! Afeto tem a ver com o prazer que sentimos pelo outro, em nome do outro. São aqueles momentos em que você vê uma pessoa dançando, pulando ou mergulhando de roupa na piscina e pensa: nossa, como é bom estar aqui para ver isso, como é bom curtir esse momento.

Sinto afeto por pessoas especiais. Sinto afeto por pessoas que passaram pela minha vida e que, mesmo que tenham seguido outros caminhos ficaram. Sinto afeto por gente que vejo encontrar momentos de felicidade. Meu afeto está nos outros e não em mim. Meu afeto não existe sozinho, a menos que viva na memória e nas lembranças de momentos felizes.

Ouvi que o amor não existe se não estiver em duas pessoas ao mesmo tempo. Ouvi que não é possível amar sozinho. Isso me obrigou a parar e pensar e pensar e pensar. Sempre acreditei que o amor era meu e era eu que decidia amar ou não. Mas faz sentido duvidar do amor que não está em duas pessoas ao mesmo tempo. Amor não é um sentimento que possa ser frustrado. Quem pode e é muitas vezes frustrada é a expectativa, que não tem muito a ver com o amor.

Amor é plural em todos os sentidos. Até Cristo disse: “amai-vos uns aos outros”, vai ver ele já sabia e tentava explicar que amar sozinho não é amar. Sim, eu sei que ele também disse: “como Eu vos amei”, mas aí é Jesus falando com quem já o amava e gente que o ama até hoje, como eu.

Talvez o único amor que exista na solidão é o amor próprio. Esse precisa existir, não tem conversa. Eu, por exemplo, me amo pra caramba! O amor da gente por nós mesmos ensina a amar. É para isso que ele serve, não tenho a menor dúvida. Quando aprendemos a amar nossas qualidades, respeitar nossos defeitos e superar nossas dificuldades, aprendemos também como é que se faz para amar os outros. O problema é que tem um monte de gente que se apaixona por si mesmo de uma forma tão intensa que não sobra nem espaço para amar os outros e passam a vida esperando por alguém que os ame tanto quanto eles mesmos se amam. São vidas desperdiçadas, mas estão por toda parte.

Então: como é que se faz para saber quando é amor ou quando é afeto? Pergunta difícil. Acho que o melhor caminho é verificar a troca. Tem troca? Se tiver, há grandes chances de ser amor. Se não, se ficam faltando peças no quebra-cabeça da relação, pode ser só afeto. A entrega não pode ser de um lado só. O equilíbrio não pode ser difícil. Se for, vira gangorra e isso não é bom.

Pensando assim, dá pra acreditar que quando uma relação acaba e você constata que havia muito afeto, você ainda pode mantê-lo, sem precisar matar o outro para seguir em frente.



terça-feira, 26 de novembro de 2013

Há diferença entre amor e amar.


O menino teve lá seus traumas de infância, como todo menino. Sua relação com seus pais era boa, mas ele era inseguro. A irritação do dia-a-dia trazia eventuais exageros e isso lhe fazia um mal imenso. Sua mãe, talvez por uma ancestralidade italiana jamais encontrada, falava alto, ameaçava com palmadas e com um chinelo que ficou famoso na casa dele. Ela era um doce de mãe, carinhosa e amorosa como ela só, mas nos seus momentos de irritação, melhor sair de baixo. Seu pai era ainda mais severo. Como era um sujeito brilhante e tinha se acostumado a ser brilhante por toda a vida, cobrava a genialidade do menino e seu irmão como se fosse a coisa mais simples do mundo ser um gênio. Era um pai maravilhoso, responsável por todos os valores do menino, generoso e sempre superatento, mas era duro e severo e isso encolhia o menino. Ele só queria se sentir aceito e amado. Simples assim.

O menino cresceu e repetiu vários dos erros de seu pai e de sua mãe. Ele também falou mais alto do que devia, também cobrou e esperou mais do que os outros tinham para dar e também foi duro e severo, ainda que não quisesse ser. Estava criado seu conflito íntimo e particular.

Como fazer para encontrar o amor? Ele acreditou, durante quase toda a sua vida, que era isso o que ele precisava encontrar: o amor. Cantado em prosa e verso e música e imagens e de todas as formas possíveis, o tal do amor, nunca definido com a exatidão necessária, nunca tangível, nunca exato e sempre fascinante, desafiador, curioso, aventureiro, delicioso, forte e fundamental.

Pois foi assim que o menino escolheu viver sua vida. Buscava o amor nas pessoas que encontrava ao acaso ou de propósito. Buscava o amor desde o primeiro momento em que ele se fazia notar presente. Bastava sentir o cheiro de um amor possível para entregar-se com a maior intensidade do mundo àquela nova aventura de sentimentos e sensações. Seus amores sempre começaram como se não houvesse amanhã. Seus amores sempre foram pontuados por cores, músicas e momentos únicos. Tudo precisava sempre ser grande, superdimensionado para que fosse único na vida da mulher amada e tudo isso por uma simples razão: sua necessidade de sentir-se amado e aceito.

Viveu amores hiperbólicos por toda a vida. Viveu romances muito mais bonitos e interessantes que metade dos romances que havia lido nos livros, visto nos filmes. Romances que também tiveram finais, nem sempre felizes. Fez o que pode para guardar, de todas as pessoas que lhe deram amor em algum momento da vida, pelo menos um carinho que fosse eterno, que lhe permitisse sentir-se querido, aceito e amado ainda que ele mesmo não correspondesse mais ao amor.

Nos momentos de solidão refletia sobre suas escolhas, seu caminho, sua forma de lidar com o mundo e com os outros. Até que um dia, chuvoso e triste, quase melancólico, o menino descobriu que seu erro era acreditar no amor e não acreditar no amar. Olhou para trás e percebeu que por várias vezes na vida desviou sua busca do amar para o amor que a outra pessoa lhe pudesse ter. Esse amor era o mais importante e muito mais valioso do que o próprio direito intrínseco do menino amar.

Amor é diferente de amar.

Será então, que foi por isso que ele sofreu quando viu alguns amores acabarem? Será então que essa foi a razão de terminar relacionamentos com de pessoas que ele sabia lhe amarem mais do que a si mesmas? Será que foi isso que o fez sedutor? Ladrão de amores? Aventureiro irresponsável e inconsequente do amar de outras pessoas? Quanto egoísmo o dele. E mesmo que, entendendo, lhe caiam todas as fichas ele não se perdoa com medo de esquecer-se e repetir os mesmos velhos erros de toda sua vida. É certo que ele seguirá buscando o amor, mas é certo também que ele tem muito a aprender sobre o amar. E que ele consiga seguir em frente. Amém.



segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Menino, Coração de Leão.


Nasceu sob o signo de leão. Vai ver que é por isso que o menino sempre se encantou com as histórias de Ricardo, Coração de Leão. As lutas, a honra, os valores e tudo mais que circulam as lendas contadas até hoje em cada livro, cada filme, cada documentário, sempre o fascinaram. O menino queria ter nascido com o mesmo tipo de coração de leão de Ricardo. Mas isso não aconteceu. Nasceu mesmo foi com um coração de menino e teve que dar duro pra trabalhar nele, pra virar gente grande.

O primeiro trabalho era entender como fazer de seu coração um lugar mais bacana. Definir que valores ele deveria ter como meta para poder alcançar sua referência. Isso passava por amigos, família e amores. Em tudo ele precisaria ser nobre, honrado e comprometido para poder ter certeza de que estava no caminho certo. Foi testado diversas vezes. As pessoas não entendiam muito bem o que ele estava fazendo ou mesmo porque fazia de um jeito diferente de todos os outros. Mas ele permaneceu fiel ao que sentia e ao que queria sentir.

Teve grandes amigos por quem jurou amizade eterna. Foi traído e perdoou alguns. Mas, de nada se esqueceu. Com o tempo, percebia que as melhores amizades eram as despretensiosas, que nada cobravam, que não faziam drama, que estavam sempre dispostas. Quis ser assim para seus amigos. Quis não cobrar. Quis ser simples e nada esperar. Quis não fazer drama e começou a se doar para as pessoas da maneira que acreditava ser a melhor. Perdeu algumas vezes mais. Seguiu acreditando e, com um pouco mais de tempo, percebeu que tinha uma linda quantidade de amigos do jeito que ele sempre sonhara.

Acreditou que em família fosse diferente. A herança de genes e de valores os ligaria, por certo, para todo o sempre. Sua avó lhe disse diversas vezes: com família sempre podemos contar, é seu porto seguro. Mas não foi sempre assim. Decepcionou-se algumas vezes, perdeu contato com tantas pessoas que lhe eram tão caras que chegou a duvidar pertencer àquela família. O tempo, sempre ele, mostrou que as coisas não são como nos contos de fada. Que dentro da família havia sim, gente que lhe oferecia segurança, carinho, cumplicidade. Mostrou que nem todos são como esperamos que sejam, mas família também é escolha. E assim ele cuidou dos que lhe cuidavam e construiu sua própria família. E seguiu certo de que sua avó tinha razão.

Mas o seu desafio maior sempre foi o amor. Seu coração de menino leão o fazia crer no amor maior que qualquer amor. Amor único. Amor cúmplice. Amor cego, surdo e mudo. Amor maior que a própria existência, daqueles que ficam nas histórias contadas e passadas como ideal de geração em geração. Ele acreditava ser esta a única razão de sua existência: amar.

Descobriu no título de um livro que amar se aprende amando. Escolheu então buscar seu amor maior nas curvas das estradas da sua vida. Amou desde cedo e sempre com toda a intensidade do mundo. Amou com entrega e com o compromisso de quem acredita sempre que o melhor está por vir. Amou certo de que seria aquele o maior amor da sua vida. E chorou a cada despedida, a cada descoberta de que aquela não era a pessoa definitiva. E, por isso, precisou dos amigos, da família, de alguns copos, de muitas ressacas e de muitos poemas escritos com lágrimas molhando o papel e as letras.

O fim de cada amor lhe trouxe uma tristeza incomensurável. Voltavam nele todas as dúvidas de criança: seria ele capaz de possuir o tal coração de leão em que sempre acreditou? Seria ele o homem que sempre quis ser? Ainda haveria tempo para isso? E nada importava. Passados os momentos tristes de luto pela morte do sonho do amor eterno depositado naquela pessoa, ele seguia em frente, peito aberto, escudo baixo, fantasias na cabeça e todo amor que houver nessa vida para ser vivido.

...

E o homem, por trás do menino, a tudo olhava com o carinho das lembranças da infância. Tudo isso lhe explica, lhe perdoa, lhe ajuda  ser mais homem, mais feliz, mais menino.



quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Agulha no Palheiro


Mas afinal: o que é que as pessoas tanto procuram e que não acham nunca? A pergunta vale um milhão de dólares. Ninguém tem resposta e, ao mesmo tempo: todo mundo tem a sua própria resposta. A grande questão é: o que esperar de um relacionamento? A grande resposta são as coisas inesperadas que os relacionamentos trazem.

Difícil falar em nome dos outros. Por isso, acabo sempre falando da minha vida, mesmo que fale mais do que deveria. A única coisa que eu sei perfeitamente bem é que não tenho a menor ideia do que espero em um relacionamento. Não consigo e não quero racionalizar sentimentos. Meu sentimento sai de dentro do coração, não da cabeça. Eu sei, eu sei: já sou bem grandinho e devia estar buscando um relacionamento cem por cento baseado nas compatibilidades da vida.

Devia ter um check-list com coisas como. Alguém que goste de morar perto do mato, só para ouvir os passarinhos cantando de manhã. Alguém que goste de estradas e que esteja sempre disposta a entrar no carro e partir, sem rumo, atrás de uma praia mais bonita, um pôr-do-sol que mereça aplausos ou pra um restaurante diferente que o amigo do primo de uma amiga comentou. Alguém que curta os amigos e as suas conversas de botequim. Alguém que goste de andar e conversar enquanto anda. Alguém que solte a risada fácil nas piadas mais sem graça. Alguém que cuide de mim, mesmo que eu esteja apenas fazendo drama, quando me sentisse doente. Alguém que tenha valores sólidos de família e que acredite no amor incondicional pelos seus. Alguém que reclame pouco e que elogie muito. Alguém capaz de se emocionar com coisas simples. Alguém...

Mas a vida não é bem assim e isso acaba não sendo o bastante. Além de tudo isso, tem as expectativas, os traumas, os momentos de vida e o equilíbrio necessário. Ninguém é assim tão sob medida todos os dias. Tem dias mais apertados e dias soltos demais.

As tais expectativas, por exemplo, são bilaterais e é mais fácil ganhar na mega-sena da virada e sozinho todos os anos do que encontrar alguém que espere exatamente o que você espera da vida. Então você aprende que tem que ceder e que tem que perceber o tanto que a outra pessoa cede. Aí vêm os traumas. Eles dizem para você que nada disso adianta nada, lembram que você já tentou isso antes e se ferrou, sacodem com sentimentos ruins qualquer leve tremor no relacionamento e revelam a insegurança inerente a todo mundo. Se você conseguir passar por cima disso tudo, muito cuidado em perceber que o momento de vida de um nunca é o momento de vida do outro. E, haja equilíbrio.

E segue assim a eterna busca pela pessoa ideal. Ou melhor, pela pessoa idealizada. Seguimos diariamente acreditando em um milagre emocional. O de que de repente, ao cruzar uma rua, vamos esbarrar com alguém que vai fazer o tempo parar, dar início a um fundo musical romântico, trocar um olhar cheio do maior carinho do mundo e pronto: você já pode morrer feliz.

É claro que isso não vai acontecer. É claro que sabemos disso. Mas quem disse que ser claro é o bastante? O único jeito de encontrar uma agulha no palheiro é com um imã, por isso o melhor a fazer é cuidar de si mesmo, quem sabe assim você atrai a agulha que está procurando há tanto tempo.



segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Carta Aberta

Querida mulher invisível,

Puxa, quanto tempo que não falamos. Quanta coisa aconteceu. Um ano!!! Muito tempo que não venho ao teclado despejar palavras que soltas deveriam estar presas (isso é de um livro que eu ganhei).

Na última vez que trocamos palavras, estava indo viajar com meu irmão. A viagem podia ter sido melhor, mas foi bacana apesar das pequenas bobagens e brigas. Lá me encantei por uma moça e quase comecei uma nova história. O fato é que antes dela voltar ao Brasil conheci outra mulher, mais bacana, mais especial, mais a minha cara e me apaixonei novamente. Entrei de cabeça, do único jeito que eu sei fazer e juntos ficamos até agora. 

O namoro acabou, mas não vim falar sobre isso. Vim dizer que cresci! Aprendi um monte de coisas que não teria aprendido se ainda estivesse completamente preso a você como estive por tanto tempo. A coisa mais bacana que aprendi é que a alma cresce. Você sabia!?! Eu não tinha me dado conta. Acho que a maior parte das pessoas fica pensando se existe ou não a alma e não se dá conta do que anda fazendo com ela. Descobri que a alma se alimenta de amor. A cada vez que o amor chega, a alma cresce, fica maior e mais bonita. É muito bom saber isso, ter certeza disso! O melhor exemplo são os filhos. Mesmo só tendo uma, aprendi no momento que ela nasceu que eu me transformei imediatamente em outra pessoa. Minha alma cresceu numa explosão de amor que nunca tinha sentido antes e nunca senti depois. Mas se eu tivesse outro filho, tenho certeza de que a alma cresceria da mesma forma novamente. Desculpe falar de filhos, sei que o assunto dói em você, mas é só o exemplo, ok!?

Aprendi que os amores tem essa capacidade também. Claro que não é qualquer beijo na boca que transforma a alma em algo maior. Mas os amores trazem uma nova dimensão à alma e ela cresce, se transforma, evolui. Tem que ter o maior cuidado pra não matar isso, não expulsar o sentimento porque talvez ela volte a diminuir, não sei ao certo, nem quero descobrir. O fato é que me sinto maior hoje. Sinto minha alma viva, pulsando amor, pronta para dar amor e a receber o amor de uma forma diferente do que jamais senti. Meus relacionamentos não morrem: transformam-se. Todas as pessoas para quem eu disse “eu te amo” na vida, continuam vivas e amadas por mim. E como com os filhos, não existem dois amores iguais. Cada um tem seu papel na minha vida.

Com isso, descobri que eu estava errado quando disse que me sentia um livro na sua estante, que você um dia parou de ler porque o capítulo estava chato e foi ler outra coisa. As pessoas não são livros isolados. Na verdade nem leitores nós somos. Somos autores de um único livro possível, o das nossas próprias vidas. E eu entrei na sua como uma personagem que teve seu momento e seu papel. Você entrou na minha como um ponto fundamental de transformação. Teve quase o mesmo efeito na minha alma que o nascimento da minha filha querida. Descobri outra dimensão na alma e por isso sou e serei, para sempre, agradecido.

Os únicos outros livros são os romances que escrevemos juntos com quem quer escrever junto com a gente. Esses não se escrevem sozinho, não tem como.

Meu grande conflito foi matar você. Eu achava que precisava matar meu sentimento porque acreditei que se eu não fizesse isso, ele é que poderia me matar. A boa notícia é que ele não tem esse poder. Meu sentimento não me matará, ele me fará melhor e maior. E o grande livro da vida segue em frente.

Outro aprendizado: sou um manipulador emocional inconsciente! Risos... Eu explico: descobri que o que me faz mais diferente é a minha entrega e doação. Ao contrário do normal das pessoas, eu não meço os riscos de uma relação, apenas entrego todo o meu sentimento com a maior intensidade possível na busca desesperada de ser aceito, aprovado, acolhido. Insegurança pura.

Só que quando faço isso acabo impondo uma regra básica nessa relação: se eu estou dando tudo, você precisa dar tudo também. E isso é pesado demais. Fazer loucuras de amor fascina, mas demanda que a outra pessoa também as faça, mesmo que ela não tenha a menor ideia de como é que se faz isso. As reações são as mais diferentes, mas sempre passam pela insegurança que isso gera. É quando a pessoa se sente julgada e avaliada por tudo o que faz porque ela julga e avalia tudo o que eu faço e me coloca num nível que ela não conhece. Essa insegurança é ruim, gera questões e conflitos e acaba por ter um efeito contrário. Doido isso. Em resumo: a minha insegurança faz com que eu dê demais e isso acaba gerando insegurança na outra pessoa e os conflitos que levam o relacionamento ao fim.

Soltem os foguetes. Entendi isso claramente como nunca antes na história desse menino poeta.

Só que não...

Eu não tenho a menor ideia de como ser diferente disso, porque eu gosto de ser assim. Gosto de dar o meu melhor por inteiro, com toda a intensidade do mundo, passando por todas as dimensões possíveis do meu amor e da minha alma. Eu não quero dar menos. Quero dar por outra razão, não mais para ser aceito, mas para trocar por inteiro. E aí é que mora a expectativa da mulher ideal. O mínimo que eu espero é o máximo que ela puder me dar. Nem um pedacinho a menos.

Acho que, tendo aprendido isso tudo, fica mais simples resistir às tentações dos amores de ocasião. Pessoas que aparecem na minha vida como se tivessem saído de uma historinha de sessão da tarde e acham que eu sou o tal do príncipe encantado que elas ouviram falar nos contos de fada. O amor de verdade não passa por aí, nem por perto disso. O máximo que isso gera sou eu me transformando no “homem invisível” dessas pessoas. Haja banho de sal grosso e galhos e galhos de arruda.

Estou me sentindo melhor com essas “descobertas” todas. Me sinto mais pronto para viver o que eu acredito, mais seguro nas minhas escolhas, mais preparado para não entrar nas roubadas. Uma vez me disseram que as pessoas nem desconfiam que eu sou só um menino procurando a minha família. É isso mesmo, no fundo, no fundo: sou só um menino com alminha de poeta, procurando minha família, a família que quero construir do lado de uma menina, com alminha de poeta e que também busque o que eu busco sem medo de ser quem for por inteiro ao meu lado.


Beijos,

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Outra Viagem


Vai começar outra viagem. O menino adora os momentos em que se desliga de tudo. Não precisa fazer o dever de casa. Não vai ter prova. Não terá que estudar para a chamada oral. Tempo e hora de relaxar. O menino vai para os braços serenos de Yemanjá. De praia em praia visitando águas curiosamente diferentes, vai ver peixes de tamanhos e formas distintas, pisar na areia fofa e na areia dura com o mesmo prazer. Vai furar ondas. Vai prender o fôlego para ir mais fundo de olhos abertos em busca do desconhecido. Tempo de fantasia, hora de sorrir feito criança.

Pegar a estrada é das melhores coisas da vida. A única coisa que ele sabe é que vai chegar. Sabe que os dias podem ser generosos e dar a ele dias de sol e noites de lua. Sabe que os dias e noites podem ser de chuva e de vento. E sabe que, seja como for, ele vai levar o sorriso no rosto. O menino acredita no destino e acha importante dar ao destino, vez por outra, uma chance dele se manifestar. É simples, basta não querer comandar tudo e deixar as coisas acontecerem da maneira que acontecem. É como dirigir sem as mãos no volante.

Mas ele já sabe seu roteiro. Vai pela terra, beirando o mar. Pega a estrada que liga a cidade que ama a cidade onde seu pai nasceu. A primeira parada é na Vila dos Reis Magos que tem N. Sra. da Conceição como padroeira e uma grande ilha bem de fronte. Lá, vai passear de barco, procurar cachoeiras, mergulhar em águas limpa e buscar a companhia das tartarugas que nadam rápido e que fazem com que ele sinta-se ainda mais menino. De lá para o último destino da estrada real, onde as pedras fazem o caminho das águas pelas ruas em que se caminha com cuidado. Lá onde o Brasil é mais colônia, mais Brasil. Por perto matas e praias lindas vão receber sua visita. Depois a cidade de nome indígena, de litoral grande e belo, abusadamente belo. Lá, visitas ao mar, à praia e aos restaurantes de pescadores que sabem consertar redes de pesca. Vai matar saudades dos tempos idos em que frequentava a região com amigos e primos de risadas generosas e histórias muitas. A última parada antes do destino final é a bela ilha, um lugar que mistura várias cidades em uma só. Paraíso dos borrachudos e da exuberância da natureza. Balsa pra lá, balsa pra cá e no final segue para ver sua mãe, razão da viagem e porto seguro de qualquer viagem.

O menino não vai só. Vai levar a menina que ama. Vai ouvindo música alta. Vai devagar porque é no caminho que está a felicidade. Vai atento às curvas e a tudo o que acontece na beira da estrada. Nessa viagem, a estrada do sonho cruza a estrada real. E ele acha graça e segue seu caminho feliz.



quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Dias de Chuva

  
O menino nunca gostou de dias de chuva. Parecia para ele que o mundo andava de mau-humor. Parecia que o céu estava triste, que o sol tinha se aborrecido com alguma coisa e sumido por um tempo. Ele ficava triste também, não sabia como achar ânimo para aproveitar os dias em que o sol não aparecia.

Foi em um desses dias que o menino abriu seus olhos cedo demais, por volta das cinco e pouco da manhã. Acordou feliz, como sempre acorda, e abriu a janela para dar bom dia ao dia. Nuvens escuras e carregadas de gotas d’água estavam por ali e ele encolheu o sorriso.

Resolveu voltar a dormir, e sonhou...

Havia um campo de mato verde por onde o menino cavalgava em um cavalo lindo. Estava sozinho. Afagava o cavalo, seu velho amigo, e o deixava, vez por outra, escolher o caminho. Levantava a mão e comandava com sons curtos o galope. Sentia o vento no rosto. Ouvia apenas o barulho da sela no lombo do cavalo e a respiração ofegante e contente. No céu, um lindo azul pontuado com nuvens brancas emoldurava a paisagem. Que dia lindo, pensava o menino em seu cavalo.

De repente, um trovão...

O telefone toca e uma amiga pede que ele chame uma ambulância para o filho que está tendo uma crise convulsiva. Ele para de escrever e faz o que foi pedido. O telefone não completa a ligação, o maldito som de ocupado ressoa várias vezes nas muitas tentativas que fez. Ele liga para o médico, amigo, que ocupa um cargo importante no hospital em que o filho da amiga precisa chegar e o telefone também não responde. A amiga liga de novo... O filho voltou a si e ela vai pegar um táxi para o hospital. Nem por isso ele fica mais tranquilo, mas só o que pode fazer é rezar.

E o menino reza e pede uma oração para quem for de oração. Pensa no filho, pensa na mãe e reza: Ave Maria, cheia de graça. O Senhor é convosco. Bendita sois vós entre as mulheres. Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém.


E acordado, lembra-se o quanto detesta dias de chuva.


segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O que você fez da sua vida?


O menino se perguntava, volta e meia ou meia volta, o que ele estava fazendo da sua vida. Claro que a vida já havia aprontado com ele como apronta com todo mundo, mas a sua questão era saber se ele era mesmo o dono da sua vida e se as suas escolhas eram mesmo as melhores escolhas que ele podia tomar.

É muita responsabilidade. Não dá pra errar, ou pelo menos: não dá pra errar muito. Desde criança as escolhas tem que ser feitas e pensadas, todos os dias. Vou comer bem? Vou brincar? Vou ligar para os meus avós e dar um beijo? Vou ser educado? Vou respeitar os mais velhos? Vou fazer birra? Tudo tem consequências. Se não comer bem pode ficar doente, se não brincar, pode virar um chato, se não ligar para os avós pode perder uma chance única, se não for educado pode ser excluído dos grupos e por aí vai. Tudo tem consequências e elas são, quase sempre, imprevisíveis.

O menino sempre acreditou que a vida é uma longa estrada com inúmeras bifurcações. A todo o momento há escolhas para serem feitas. Não dá pra fugir disso. Não dá pra deixar a vida levar, porque ela não leva quem não se mexe, quem não escolhe. São as escolhas que vão levar cada um ao seu destino. E o destino não é a felicidade, a felicidade é o caminho.

Passam os anos e o menino se vê obrigado a olhar para trás. Volta e meia ele precisa parar, sentar na beira do tal caminho e olhar para trás. Ficar ali, pensando sobre como foi que ele chegou onde está. Em que momento ele preferiu seguir pela direita. Quando foi mesmo que escolheu sua profissão. Como é sua relação com a família e amigos. Que critérios ele usou para amar e para ser amado. O que é que ele ainda quer construir. Do que foi que ele já desistiu. E assim por diante.

Questões nunca faltam. Talvez tenha faltado tempo para ir mais fundo nelas. Às vezes, sentado ali, viu alguma coisa passando e escolheu seguir ao invés de pensar, e foi. Mas as questões sempre estiveram por perto.

Um dia, um amigo lhe disse que ele não percebia que existia gente ruim por aí. Ele se assustou: - Gente ruim como? Ruim de nascença? Não acredito mesmo que existam! Mas o amigo insistiu e avisou: - Existem sim. Você não pode tomar os outros pela maneira que você é. Na vida você vai encontrar gente que simplesmente não vale a pena, porque são rasas, pequenas ou porque são más mesmo. Escolheram viver a vida procurando uma maneira de terem mais coisas e passam por cima, uns dos outros, para conseguir o que querem.

- Mas... Para que isso?

E lá vinha mais uma questão para ele parar e pensar. Ele não era santo, mas não acreditava na maldade como característica das pessoas. Pensava se por isso tinha sofrido onde achou que não sofreria e se era essa a razão de algumas das suas maiores frustrações. Ele simplesmente não entendia e também não havia nada o que ele pudesse fazer. Seguiria seu caminho do jeito que é e que sempre foi, parando e pensando que deve estar sempre pronto para responder a pergunta que todo mundo faz a si mesmo em algum momento: - O que eu fiz da minha vida?



sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Nada Não


O menino era dado aos esportes. Gostava de participar das equipes de colégio e se esforçava para ser bom no que ele estivesse jogando. Infelizmente, futebol nunca foi sua praia. Ele tentava, mas ficava sempre de fora das seleções da turma que se dividia entre os “cobras” e os “lagartos”. Os cobras eram os bons e os lagartos não. Simples assim. Ele seguia firme na sua perebice infantil e aos poucos se tornava uma espécie de reserva dos lagartos, ou seja: só jogava se não houvesse opção.

Por outro lado, tinha muita habilidade no basquete e no handebol. Nesses esportes estava entre os melhores, participava com vontade. Chegou a ter sua própria bola de basquete e praticava bola ao cesto por horas a fio. No handebol era goleiro, a pior posição do time, mas  onde ele surpreendia com defesas incríveis para o delírio dele mesmo e dos colegas de classe.

Fora da escola, seus esportes passaram pelo judô e pela natação. O judô o ensinou a cair e ele é grato até hoje pelo milhão de tombos que tomou enfrentando seus adversários. Mas foi só. Não foi além de uma simpática faixa azul. Já a natação era outra história, quase mágica para o menino. Ele tinha aulas em um velho clube carioca em que havia duas piscinas, uma normal e outra olímpica com direito à plataforma de saltos e tudo mais.

A rotina era chegar ao clube já de sunga, vestir uma ridícula touca de pano, pegar uma mini prancha e ir para o aquecimento. Essa era a parte chata. Alguns dos nomes dos exercícios que ele fazia para se aquecer, antes da piscina, ele jamais esqueceu. “Jairzinho” e “polichinelo” são duas palavras que ele guardou com rancor para o resto da vida. Passados os quinze minutos malditos do aquecimento inicial era hora do mergulho.

Quando a ordem de cair na piscina era dada, o menino se transformava. Acreditava que estava entrando no seu próprio reino das águas claras. Respirava fundo, jogava a prancha na frente e mergulhava de cabeça buscando o fundo com as mãos para só então voltar à tona pra respirar. Aquela água lavava o corpo e a alma. Era o melhor momento do dia, ainda que passageiro e seguido dos berros do técnico que começava a dar ordens para todos: “batendo as pernas na borda”, “alternando a respiração”, “agora com a prancha, de um lado para o outro”, “agora de costas”, “agora a virada” e por aí vai... Não faltavam ordens nem imaginação ao técnico, dono de um insuportável apito que apontava os erros de todos impiedosamente.

Depois de mais uns vinte minutos nessa chatice, era hora de nadar de verdade. Começavam as disputas em vários estilos. Seu preferido era o Crawl, acho que pelo nome que impressionava e pela simplicidade das braçadas e da respiração. Nesse estilo ele era sempre um dos primeiros a chegar. O nado de peito também era fácil para ele, seguido de perto pelo nado de costas. Sua grande dificuldade era o tal do nado borboleta. Primeiro porque borboleta não nada, depois porque coordenar braços, pernas e respiração nesse estilo era um sufoco danado.

Um dia, o técnico avisou que haveria uma competição carioca de natação e que ele estava convocado para nadar na sua categoria contra os meninos de outros clubes. Ele ia nadar seu nado preferido e tinha que representar o clube com garra. Nossa, ele adorava a ideia de competir, ainda mais em algo que ele gostava tanto. Nas duas semanas que separaram o aviso da competição ele treinou dobrado. Chegava mais cedo e saía mais tarde, não reclamava do aquecimento e nem da prancha. Dedicava-se com um espírito guerreiro que nem ele reconhecia. Estava decidido a ganhar.

Na hora da prova o nervosismo era grande. O menino estava lá, na piscina olímpica, na sua marca, pronto para cair na água e vencer cada braçada com toda a sua disposição. O técnico mandou que assumissem suas posições. Ele havia dispensado os óculos de natação. Estava focado, esperando o momento certo que veio com o apito da partida. Ele não pensou em mais nada. Mergulhou tomando impulso para sair na frente, mas logo se esqueceu dos demais. Tudo o que pensava era em dar o seu melhor e esse melhor passava pelo prazer de nadar de estar dentro d’água, de se esforçar.

As braçadas se repetiram. A respiração falhava porque ele preferia segurar o fôlego ao invés de perder tempo com isso. Ouvia o barulho da torcida de fora. Bateu na borda da piscina e conseguiu sua melhor virada. Teve tempo de notar que estava bem na competição. Animou-se a nadar ainda mais forte e no meio da piscina viu o filme da sua vida passando por sua cabeça. Lembrou-se das primeiras aulas, dos primeiros mergulhos, do avô que o ensinara a nadar, do mar da praia da sua infância, do técnico, dos amigos do clube e da vontade de mergulhar. Nadava e sorria. E seguiu nadando até que o lugar no pódio não fosse mais importante.



quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Folha em Branco


Tão desafiadora que nem sei bem como começar. Olho para ela e ela olha para mim de volta, com total indiferença. Paro e penso que talvez versos sejam o ideal, penso mais um pouco e a prosa chega mais perto e com mais vontade. A folha em branco é como uma mulher que sabe o que quer e que não aceita menos. Altiva, imaculada e decidida e fazer do seu destino o pouso de letras e palavras que pelo menos façam sentido. E eu, meio perdido, olho de frente e de lado e não encontro o sentido certo das linhas que quero traçar.

Por que é mesmo que eu escrevo? Ah sim, para dar forma aos pensamentos que não encontram mais espaço para ficar dentro de mim. É pela simples necessidade de me expressar. É porque eu acredito que não faz sentido guardar só pra mim as coisas que penso e também porque acho que não sou o único a pensar o que eu penso.

Mas, como surge a ideia? Eu acredito sincera e honestamente que “ideia” é uma energia que circula livremente pelo ar, à altura das nossas mentes. Ninguém é dono de nenhuma ideia, somos apenas os veículos capazes de “dar terra” a essa energia. Somos condutores dessa energia e a modelamos de acordo com a nossa capacidade. Algumas ideias que passam por mim, por exemplo, deveriam ser quadros, mas eu não sei pintar então escrevo. Outras são músicas, claro que são músicas, mas de que isso adianta se eu não sei tocar nenhum instrumento e nem compor letras? Ideias não surgem, passam.

E na hora de colocar as tais ideias no papel? Como é que se faz? Acho esse o momento mais fácil e simples. Basta sentar na frente de um computador e deixar os dedos baterem nas teclas. Se preferir a velha e boa caneta ou o velho e bom lápis, sem problemas. Recomendo apenas que você não se meta no caminho da ideia. Elas são muito intolerantes e não querem saber da sua opinião. Querem passar, chegar logo ao ponto final percorrendo o caminho necessário para existirem. Tenha, portanto, certeza de que você não interferiu demais. Dê uma relida em tudo. Conserte as vírgulas, os acentos, os parágrafos, mas não se meta nos caminhos da ideia.

Então é assim? Pegou a ideia, conduziu seu caminho pela folha e pronto! Acabou?

Não. Definitivamente não. A ideia é uma energia tão especial e bonita quanto um fenômeno da natureza. Mas de que adianta um arco-íris no céu se você não está vendo, se ele não emociona você? Nada! É assim com a ideia também. É necessário achar e oferecer os melhores caminhos para que a ideia chegue às pessoas certas. As que vão entender o que você está falando e não vão achar que você é doido nem ter pena de você. É pra isso que se escreve, é para emocionar, fazer pensar, fazer sorrir, fazer chorar.

Ideias são atalhos que criamos para os sentimentos das pessoas. Todo mundo precisa delas porque normalmente estão tão preocupadas com a sobrevivência que não se dão conta de que estão aqui para viver e não sobreviver. É papel das ideias mostrar isso para o maior número de pessoas e da forma que elas forem capazes de perceber isso. Uma mesma ideia chega de várias maneiras às pessoas. Cada um entende a ideia como ele mesmo é. E ninguém é igual a ninguém. Lembra-se do arco-íris? Então, é igualzinho. Você vai ver o arco-íris da sua maneira porque isso depende de onde você está e dos ângulos da chuva, dos raios de sol e da sua visão. Um mesmo arco-íris são muitos.


Mas então porque você chamou esse texto de “Folha em branco”? Porque era assim que ela estava antes dessa ideia passar por aqui.


quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Esses Moços...

O menino gostava de observar as pessoas. Muitas e muitas vezes, ficava de longe olhando e tentando perceber melhor o que um ou outro estavam fazendo. Prestava atenção nas pessoas comuns com quem cruzava na rua quase todos os dias, prestava atenção também nas pessoas mais próximas e ficava sempre atento ao que diziam, ao que faziam, ao que mostravam uns para os outros. Ele acreditava que conhecendo melhor os outros entenderia a ele mesmo melhor.

Uma vez parou para olhar um casal bem jovem. Lembrou-se dos tempos em que tinha aquela idade. Eram apaixonados, um pelo outro. Tratavam-se com todo o carinho do mundo. Quando não estavam colados, estavam procurando o outro. Tinham, é claro, os momentos de provocação em que um implicava com as pequenas tolices do outro. Tudo desculpa para se beijarem com amor, pensava o menino.

Era um casal próximo e por isso o menino convivia com eles. Era um casal bonito, do tipo que planeja o resto da vida junto. O menino lembrou-se das tantas vezes em que ele mesmo acreditou que era pra sempre, sem saber que o pra sempre, sempre acaba. Mas seguiu observando, calado. Percebeu que o casal tinha um mundo só deles. Um mundo criado pelas verdades e desejos dos dois. Poderiam, se quisessem, ter criado seu próprio idioma. Poderiam ter estabelecido seus próprios padrões de comportamento. Poderiam ter feito qualquer coisa, porque o mundo era só deles, ao menos aquele mundo.

Viajavam juntos, gostavam dos mesmos lugares, das mesmas pessoas, das mesmas festas. Um tentava respeitar o espaço do outro, tentavam desgrudar às vezes apenas para ver o outro voar e voltar. Tinham todos os sonhos do mundo e muitos mais para construir e viver. Era lindo ver o casal que se encaixava com a sabedoria e as verdades absolutas da juventude.

Um dia o tal casal rompeu. Um disse me disse que disse o que disse foi o culpado.

A confiança deles, um no outro, não era tão forte e nem tão fácil quanto eles julgavam. O menino, novamente observou. Viu de perto a tristeza da menina porque ela era mais próxima. Pensou na tristeza do menino porque se lembrou das tantas vezes em que sentiu o mesmo. O mundo construído pelos dois ia sendo abandonado aos poucos. Ele saiu primeiro, mas poderia ter sido ela. Ela ficou, cuidando de tudo o que sonharam juntos, sem saber quanto tempo ficaria sozinha por ali. E os dois se entristeceram de formas diferentes.

Ele tentou transformar a tristeza em raiva. Um dos sentimentos mais próximos do amor que existe, pensou o menino. Sentia-se traído e roubado dos sentimentos que escolheu. Sentia-se tão mal que nem imaginava que podia estar errado. A mágoa criada de fora para dentro tinha encontrado um jeito de entrar e doía fundo. Ele, também menino, precisava do seu tempo e espaço para se refazer, se reinventar, se encontrar. Acreditava que se criasse um outro mundo e se fizesse isso rápido, sofreria menos. Olhava para o amor com um tanto de rancor. Se pudesse conversar com o amor diria que aquilo não era justo com ele, tomaria satisfações, juraria vingança e todas as outras tolices que falamos e fazemos quando estamos tristes de amor.

Ela ainda ficou lá, no mundo deles. Organizou os armários, abriu as janelas, colocou as lembranças nos lugares certos e escolheu sofrer quieta, acreditando que um mundo tão bonito não poderia ser abandonado daquela forma. E por isso limpava, e arrumava, e cuidava. Ela sofria sua falta e não queria aprender a viver sem ele. Esperava sua volta. Sentia-se privada dos seus sentidos. Seguia olhando, mas não enxergava, seguia falando, mas não tinha resposta, seguia ouvindo, mas não escutava, e sentia a falta do cheiro e do sabor do seu menino. Sabia que não poderia ficar sozinha naquele mundo que só existia porque existiam os dois juntos, mas ainda teimava em não sair.

O menino olhava aquilo tudo com a agonia de quem não suporta ver o amor desperdiçado. Mas se é desperdiçado, não deve ser amor! Pensava. Lembrava-se de uma música antiga que falava sobre os jovens. Dizia que se eles soubessem o que se sabe não amavam, não sofriam, não passavam aquilo que o autor da música já havia passado. E pensava também que se ele pudesse, diria aos dois que a vida é maior que um momento, que uma mágoa, que uma briga. Diria que amor é a única coisa importante que existe. Diria que a vida é feita de escolhas. Que é como uma estrada de mão única, em que sempre há dois caminhos e que não é possível voltar atrás. Diria que o mundo dos dois é bonito demais para ser abandonado e avisaria que eles até poderiam criar novos mundos, cada um do seu jeito, cada um com quem quisessem, mas que aquele mundo era único, era vivo, era cheio de vida pra ser vivida e de amor pra ser amado.


Mas como o menino não podia dizer, escrevia.


terça-feira, 10 de setembro de 2013

Sonhando com o futuro


As palavras não vão sair. Elas estão presas. Por alguma razão elas não querem falar comigo hoje e eu não tenho nada para escrever. O que será que eu fiz para elas me tratarem assim? Será que andei pensando demais? Será que gastei as palavras nos pensamentos que passeiam sem parar pela minha cabeça? Não sei bem. Sei que acordei morrendo de saudades das palavras e elas não vieram conversar comigo hoje.


Dormi bem sim. Dormi relaxado do jeito que eu mais gosto, na cama que eu mais gosto, com a mulher que eu mais gosto. Dormi feliz o sono de quem se lança na vida como quem se lança nos sonhos. Dormi atento àquele momento em que fecho os olhos e me dou boa noite, e me deixo levar pela magia do sono. O corpo encontra sua posição, não preciso mais mexer, posso ficar parado e me deixar levar da maneira que for. Então a cabeça começa a visitar lugares imaginários ou reais que já passaram na minha vida de alguma forma. Vejo o clube da infância, onde aprendi a nadar. Vejo a fazenda de um tio que frequentei muito no início da adolescência. Vejo campos e campos de flores e de matas. O coração dá uma suspirada, a mente se despe do meu corpo e ganha vida própria e me permite viajar solto no ar.

E aí, o sonho.

Sonhei com o futuro. Vi os dias, meses e anos que virão pela frente. Tudo muito rápido e lá estava eu ao seu lado, de mãos dadas e sorrindo. Você mandava eu me cuidar, fechar a blusa, vestir um sapato. Sorria fácil. Me olhava com carinho e se aninhava nos meus braços dizendo que era feliz. Eu beijava seus cabelos e depois seu rosto e procurava sua boca para um beijo a mais. E você sorria novamente.

Levantamos os olhos e vimos as crianças. Crianças das nossas crianças. Todos sorrindo e brincando. Todos em nossa volta, esperando o jantar, tomando um drink, contando histórias e pedindo nossas opiniões sobre o que acontecia na vida deles. Contavam tudo e contavam com nós dois e com as nossas palavras para saber o que fariam. Eu me lembrava então das que ouvia do meu pai e repetia, adequando o texto para dar caminhos aos nossos filhos e netos. Você lembrava-se das que a sua mãe dizia e repetia, dando credito a ela, todos os bons conselhos de uma forma direta, mas com o mesmo carinho de mãe, sua herança predileta.

E eu olhava para você e perguntava se eu tinha conseguido. Você me olhava também e dizia: - Conseguido o quê? E eu respondia: - Conseguido ser o boa praça que uma vez eu disse que queria ser. E você deixava escorrer uma lágrima e me beijava dizendo que sim.

Eu ainda me lembrava do dia em que você me disse que queria que seus filhos tivessem meus valores e me perguntava se tinha lhe dito a mesma coisa sobre a minha filha, e também se havia lhe dito que eu também queria ter seus valores e do seu pai e da sua mãe para mim.

...

E acordei abraçado em você, acarinhando seu rosto, beijando seu cabelo e sua face e sua boca e dizendo que ia me levantar para fazer café e que te amo.

E as palavras acordaram também.


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Depois da Montanha-russa



Tudo começou como começam as histórias imprevisíveis, improváveis, imprescindíveis. Uma amiga em comum convidou os dois para se conhecerem. Um chopp. Um bate-papo. Um dia qualquer e os dois, desconfiados, aceitaram.

O menino chegou antes e tomou seu primeiro chopp sozinho. Elas chegaram depois e sentaram e começaram a conversar uma conversa fácil. Havia muito em comum entre os dois. Havia um bem querer natural, inexplicável que crescia a cada chopp. A amiga vibrava com os dois se conhecendo e se entendendo. É que os dois haviam dito para a mesma amiga que estavam prontos para viver um novo amor. Era coincidência demais. E ela quis apresenta-los.

Ele disse a ela que não sabia mentir. Ela disse que isso muito a interessava. Eles riram, os chopps foram ficando pelo caminho, uma outra amiga apareceu e as amigas conversaram enquanto os dois fugiam para uma viagem só dos dois. Parecia mesmo que o mundo em volta não existia. A ânsia de saber a razão da demora do outro era grande. Contavam sobre a vida, a família, filhos, experiências e tudo mais para que pudessem viver a intimidade que havia nascido no primeiro olhar. “Como pode ser assim?” pensavam os dois. Ela ria, ele ria.

Encontros assim precisam ser guardados. Talvez por isso olhassem tão fundo, um nos olhos do outro. Aquele encontro parecia um caminho, que levou os dois, da conversa para o primeiro beijo em poucas horas. Beijo com gosto de montanha-russa. Beijo que fez os dois entenderem que o carrinho já tinha subido até o ponto mais alto e que agora bastava levantar as mãos e sentir o frio na barriga, o medo infantil, as curvas, o vento no rosto e tudo mais que só os carrinhos de montanha-russa são capazes de fazer sentir.

“E mesmo com tudo diferente, veio vindo de repente uma vontade de se ver.” E se viram muitas vezes depois. Ele disse a ela: “- Vem comigo!” e ela ia. Eles viveram momentos que não achavam que poderiam mais viver. Acordavam juntos, passeavam juntos, riam juntos, viajavam juntos, dormiam e sonhavam juntos. E a montanha-russa parecia não ter fim. Os dois só se preocupavam com o outro, com a felicidade do outro. E o carrinho corria fácil e rápido, como correm os carrinhos de qualquer montanha-russa.

Quando o carrinho parou e eles tiveram que descer, descobriram que tinham um imenso parque de diversões para conhecer. Olharam um para o outro apenas para ter certeza. Ele queria a certeza de que ela vinha mesmo com ele. Ela queria ter certeza de que estava acordada. E caminharam pelo parque de mãos dadas. Comeram algodão doce, andaram no carrinho bate-bate, rodaram no carrossel, caminharam, sorriram e permaneceram de mãos dadas.

Resolveram, em algum momento, entrar na casa mal-assombrada. E tiveram medo juntos, apesar das mãos dadas. Havia surpresas e sustos por todos os lados e não era isso o que eles estavam procurando, mas já estavam lá. De repente, um susto maior e ela largou a mão do menino, que no escuro procurou por ela. O susto passou e as mãos se encontraram de novo, mas ainda havia muito a andar naquela casa. Seguiram em frente e logo outro susto separou a mão dos dois mais uma vez. Ele nervoso a procurou novamente e novamente a encontrou. E já quase no final um terceiro susto os separou de novo. Dessa vez as mãos se perderam e eles seguiram em frente, cada um do seu jeito, até a saída. Cada um saiu por uma porta, perdidos um do outro. O menino seguiu por um lado. A menina seguiu por outro lado. Não se viam. Não se falavam. Os dois sentiam a falta da mão e do carinho um do outro. Mas seguiram.

Depois de andar pelo parque, o menino decidiu entrar na fila da roda gigante, sem perceber que ela também estava lá. Eram duas filas. Os casais podiam entrar juntos. Quem estivesse sozinho teria que compartilhar o espaço. E quis o destino que eles entrassem juntos. A roda estava embaixo, parecia ter parado por alguns instantes, antes de seguir seu rumo até o alto. Os dois se olharam, choraram, se acarinharam e deram as mãos novamente enquanto a roda subia devagar até bem perto da lua.

E de mãos dadas novamente, os dois pensaram: ainda há muito parque para visitar.




sexta-feira, 6 de setembro de 2013

As Boas Coisas da Vida


O menino ouvia seu pai repetir que as melhores coisas da vida são as pequenas coisas. No início ele mal entendia o que isso queria dizer. Ouvia o pai, sábio, e descobria que ele ainda não sabia bem o que eram coisas pequenas e coisas grandes. Para o menino, as melhores coisas da vida simplesmente eram.

Com o tempo, com os hábitos da infância, ele descobriu o prazer de andar de mãos dadas com o pai. Andavam sempre com destino certo e sempre de mãos dadas. O pai tinha um passo ligeiro e ele aprendeu a acompanha-lo na proporção de um passo e meio para cada passo largo do pai. Não pensava no cansaço. Pensava na mão forte e firme que o segurava e que ele não queria largar. Uma coisa à toa, talvez, mas muito longe de ser uma coisa pequena.

Quando doente, recebia todos os carinhos do pai. Primeiro uma ligação que disfarçava a preocupação, depois, em algum momento do dia, uma surpresa. Podia ser uma sacola entregue em casa pela banca de jornais e que continha suas revistinhas favoritas, podia ser um livro ou um disco há tempos desejado, podia ser sua comida favorita. O fato é que a surpresa sempre vinha e sempre alegrava o menino que ligava feliz e agradecido pelo gesto do pai que gostava de vê-lo sorrindo. Isso também não era pequeno, ainda que não fosse grande.

O menino aprendia e levava consigo o valor das boas coisas da vida. Foi assim que ele aprendeu, foi isso o que herdou e por várias vezes na vida repetiu.

Menos menino, ele muitas vezes perdeu-se nos próprios pensamentos. Não sabia o que era bom de verdade e o que não era. Sua maior dúvida era separar o grande do pequeno, o importante do menos importante. Permitia-se viver com intensidade todos os momentos da sua vida porque sabia que a vida lhe pertencia e que só ele poderia fazer dela o que ele quisesse.

Nos amores que teve, e não foram poucos, ele percebeu que também havia diferença entre o grande e o pequeno, entre o importante e o menos importante. Tinha sempre a necessidade de oferecer, de proporcionar, de encantar, de seduzir. E nem sempre isso era necessário, mas isso ele não sabia. Aos poucos, ele imaginou que o importante era o que marcava. Gestos grandes, surpresas, exageros, arroubos, fantasias. Tudo o que saísse do medíocre ganhava importância, era relevante. Na sua forma de ver o mundo, esqueceu o conselho do pai, e lutava para ser sempre o inesquecível, o único, o especial. Uma necessidade quase infantil de ser reconhecido, aceito, desejado e separado do resto.

Escolheu a vida de poeta que tudo pode, tudo quer, tudo sonha, tudo existe na intensidade das palavras e dos atos. Queria ser admirado por isso e não se dava conta que vestia uma personagem e que corria o risco de se esquecer do menino que nunca deixou de ser.

Um dia, ouviu de uma menina, por quem ele tinha um dos maiores afetos e carinhos que jamais teve, que ele não precisava mais seduzi-la, que ele não precisava mais surpreender, superar expectativas, entregar sonhos, criar fantasias. Ouviu que ela preferia dar valor as pequenas coisas e que na opinião dela as pequenas coisas são as melhores coisas da vida.

E o menino cresceu.



quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Lápis de Cor



Uma caixa de lápis de cor. Foi o melhor presente que o pai do menino trouxe da última viagem. Deu junto com os chicletes de sempre, o par de tênis, algumas camisetas, muitos chocolates e brinquedos eletrônicos que ele nem imaginava como poderiam funcionar. Mas foi a caixa de lápis de cor que o deixou mais feliz. E o pai explicou que aqueles eram lápis aquarelados. Bastava molhar a ponta para obter um efeito de aquarela nos desenhos do menino, que nem deu bola pra isso. Beijou o pai como se ele pudesse entender o tamanho da sua felicidade e foi correndo – meninos estão sempre correndo – procurar folhas de papel em branco.

Sentou-se na escrivaninha, colocou as folhas de papel a sua frente. Olhou para a caixa e a abriu pela primeira vez revelando todas as cores de uma só vez. Era lindo, pensou ele.

O primeiro desenho foi o mais infantil dos desenhos. Uma casa com porta e janelas, um caminho na frente, morros de mato verde atrás e um lindo sol nascendo entre os montes. Usou o verde para a grama, o vermelho para o teto da casa, o marrom claro para as paredes, o azul escuro para a porta, o claro para o céu e o amarelo para o sol. Desenhava e conversava com o desenho como se ele pudesse ouvi-lo. Desenhou o que queria desenhar e depois resolveu plantar uma macieira no jardim e dar um rosto ao sol. Sorriso largo e óculos escuros. Que beleza de desenho.

Acabou e foi leva-lo de presente para a sua mãe. – Olha mãe, o desenho que eu fiz pra você! E a mãe ria e perguntava: - Pra mim, meu filho? Que lindo! E o menino explicava: - É a minha casa mãe, a casa que eu vou construir pra gente morar junto quando eu for mais velho. Vai ter jardim, gramado, árvore, montanha e muito mais... tem umas coisas que nem couberam aqui, como o meu cachorro e meu cavalo, mas isso eu desenho depois. Beijou sua mãe e voltou para a escrivaninha.

Outro papel. E a imaginação dele corria solta. Pensava no que desenharia desta vez. Pensou no mar e começou a desenhar um barquinho em um leito de águas de todos os azuis. Velas abertas, vento soprando forte e o barquinho navegava seguro no limite da folha. Desenhou um céu com um azul bem clarinho e o sol de óculos escuros brilhando forte, cheio de raios imensos. Sorria e desenhava. E entregou esse novo desenho para o pai, dizendo que era nesse barco que eles iriam viajar o mundo, enfrentar piratas, conhecer as praias mais lindas, mergulhar com os peixes que ele não havia desenhado e passar muito tempo juntos, quando ele fosse mais velho.

O pai sorriu, sonhando que o filho conseguisse seus desejos e que ele tivesse tempo para viver os sonhos junto com ele.

Voltou mais uma vez para o papel e percebeu que havia cores que ele ainda não havia usado. O roxo, o rosa, o laranja, o turquesa e outros que ele nem sabia o nome. Teve uma ideia e começou novamente a desenhar. Desta vez: o maior arco-íris do mundo, com todas as cores do estojo, uma completando a outra e todas fazendo a curva mágica que acabava atrás de uma montanha.

- Esse desenho eu vou guardar pra mim, pensou. É pra não esquecer nunca, nem quando eu ficar mais velho e tiver minha casa e meu barco, que o arco-íris mora dentro da caixa de lápis de cor.