O telefone tocou e ele atendeu sem reconhecer o número. Do outro lado,
uma voz de homem pergunta se ele pode falar. Ele pode. Se pelo menos souber
quem é. A pessoa se apresenta como sócio de uma empresa que ele admira muito. Ele
acende um cigarro e fecha a porta de sua sala para não dividir a atenção. Era um
convite de emprego com base em muitas recomendações. Faltava uma conversa ao
vivo, mas era coisa certa.
Desligou o telefone pensando no que fazer. Acendeu outro cigarro, ainda
com a porta fechada e voltou no tempo em busca de uma resposta. Ao invés disso
deparou-se com uma pergunta: - O que você quer ser quando crescer?
Sua referência maior era o pai advogado. Lembrou-se dos tempos que, com
cinco ou seis anos, acompanhava o pai nas manhãs de sábado nas idas ao
escritório. Era um dia de glória para ele. O pai ia para a sua sala e
ele ficava tentando ligar as máquinas elétricas e encontrar papel para escrever
qualquer coisa, desde que fosse bem rápido. Atendia telefonemas imaginários no
PABX que havia em cada mesa e criava soluções incríveis para problemas que só
ele saberia resolver.
Escrevia até acabar a fita da máquina. Triunfava diversas vezes com
seus clientes fictícios. Curtia estar próximo ao pai, seguindo os passos de uma
carreira até então sonhada com muita vontade.
O tempo passou e ele passou a acompanhar a mãe no seu brilhante esforço
de recuperar o tempo perdido. Ela abandonara os estudos antes de fazer
vestibular e havia decidido recomeçar. Depois de algum tempo, passou para a
faculdade de comunicação onde ele frequentou muitas aulas junto com ela, por não
ter com quem ficar ou por ter.
O primeiro emprego na área da mãe não chamou sua atenção. Ela havia se
tornado relações públicas de uma fábrica de cosméticos. A única coisa da qual
ele ainda se lembrava era das operárias apontando batons antes de empacotá-los.
Mas o emprego seguinte era fascinante. Ela havia sido escolhida para montar o
departamento de relações públicas de uma agência de propaganda.
A agência ficava perto do seu colégio e, muitas vezes, ele ia aproveitar a carona da mãe na hora do almoço. Era quando conhecia os adoráveis
seres criativos que faziam barulho e bagunça na hora do trabalho, sem nenhuma
censura e até mesmo com o incentivo dos diretores. Que lugar mágico, ele
pensava. Parece um jardim de infância para adultos.
Seu destino balançava entre os dois mundos. O direito e a publicidade. Ele
escolheu o coração. Ainda tentou cursar direito, sabendo que não era o
certo. A carreira foi sendo construída com inteligência, altos, baixos, médios,
avanços e retrocessos. E, de repente o menino se via convidado para assumir uma
nova posição, em uma nova empresa, novo ambiente, novas cobranças e muita
seriedade.
O tal jardim de infância para adultos já havia se tornado pós-doutorado,
ainda que para adultos mesmo. Ele já não se divertia tanto. As pessoas, apesar
de criativas, já não eram tão livres ou engraçadas. Ele precisava pensar. Foi quando
teve uma ideia simples. Sentou na frente de uma máquina, desta vez um
computador, e começou a escrever. Isso sempre o ajuda a pensar melhor.
Mas a pergunta ainda o atormentava: - O que você quer ser quando
crescer? E o texto acabou e ele não sabia a resposta.
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