quinta-feira, 4 de julho de 2013

Desculpas

Desculpe se nunca mais procurei você. Sei que prometi que seríamos amigos e que nossas vidas seguiriam rumos diferentes, mas próximos. Lembro-me de ter dito que na vida existe apenas a porta de entrada e não me lembro de tê-la fechado.

Não vou inventar desculpas, por mais vontade que eu tenha.

É que chegou o inverno. É que mercúrio está retrógrado. É que não tenho tido tempo. É que achei que você preferia assim. É que...

Dessa vez é por mim mesmo. Estou olhando para frente e descobri que preciso trocar meus óculos. Passei tanto tempo na vida olhando o retrovisor que por várias vezes acabei me perdendo no caminho à frente. Não fiz a curva. Não virei onde devia. Não prestei atenção no sinal vermelho. Olhar para frente é um exercício novo e diferente, pelo menos para mim.

Minha busca por mim mesmo é tão primária que tenho que começar do começo, lá atrás. Tenho que lembrar das coisas que me davam prazer, só a mim. Prazeres solitários ou não, que me trouxeram até aqui. Lembro sempre dos outros e do tanto que eles fizeram por mim. Lembro-me do carinho dos meus avós, dos meus pais, do meu irmão e de tantos amigos e amores. Mas lembro-me pouco dos meus momentos meus de verdade.

Talvez criança o melhor momento fosse o banho de banheira. Ainda pequeno, adorava ficar com o corpo imerso na água quente e fantasiar sozinho o que eu quisesse. Gostava de afundar o rosto e ficar com meus ouvidos atentos aos sons amplificados e incompreensíveis que circulavam naquela água. Imaginava estar ouvindo vozes, imaginava diálogos. Imaginava que toda a água do mundo se conectava de algum jeito e que por isso não conseguia distinguir o que estava ouvindo.

Andar de bicicleta pela praia era outro momento meu. Acordava mais cedo, descia sozinho e percorria a orla inteira apenas para estar perto da areia e do mar e para ver as pessoas passarem, cada uma com sua razão de ser e de viver, cada uma levando seu próprio mundo para passear.

Mais tarde, a poesia veio ser minha grande companheira. Escrevia por horas e horas. Não buscava rimas nem forma. Buscava apenas estabelecer um contato verdadeiro com uma folha de papel. Acabava e lia. Primeiro em voz baixa, depois em voz alta. Lia me perguntando se eu havia conseguido colocar meus sentimentos na forma de letras e palavras desenhadas em sequencia por uma caneta qualquer. Se o sentimento em forma de poesia tivesse origem em alguém, aquele papel não ficaria comigo. Se meu tema fossem minhas fantasias, minhas expectativas, frustrações, sonhos ou delírios então as guardaria junto com as demais em uma imensa pilha de papéis que ainda guardo comigo.

Até hoje tenho certo receio em reler meus escritos. Toda vez que faço isso acabo mudando uma letra, uma palavra, um verso e, eventualmente, um sentimento. Os deixo guardados para quem sabe um dia lhes fazer uma visita maior.

Não é o que escrevo que me importa. É o que leio das coisas que escrevo.

Há também os momentos de fé. Momentos em que busquei Deus de várias formas, em vários lugares até encontra-lo dentro de mim e ficar em paz com isso.

Há a música. Melodias que me tocam como vento batendo no rosto. Harmonias que me harmonizam. Não há apenas uma música, há uma trilha sonora inteira me acompanhando por toda a minha existência.

Há a alquimia da cozinha. O prazer único de misturar ingredientes e transformar com a ajuda do fogo a matéria orgânica em fonte de energia.

Há o desenho, a pintura e o prazer sensual de deslizar pincéis em telas brancas preenchendo cada pedacinho com gotas de fantasia.

Há o prazer de ser pai, que é só meu. Talvez o mais egoísta dos meus sentimentos: o orgulho de ver uma vida acontecendo. Orgulho do caráter formado. Orgulho das emoções sentidas. Orgulho dos valores compartilhados.

Nada disso está no retrovisor. Nele apenas o passado que não volta.

Desculpe se nunca mais procurei você. Talvez até achasse, mas de que valeria achar você sem me encontrar?

Fica a sensação de que inteiro posso mais. Inteiro, consigo paz. Fica a certeza de que não serei inteiro sozinho. Sei que ainda falta, pelo menos, a metade de mim. E se o que eu tenho é tão grande, se minha metade é tão enorme, então preciso achar um jeito de não errar de novo. O tamanho do que tenho para dar e para viver é do tamanho do risco de errar. O risco vale a pena sim e é melhor do que a falta.


Desculpe, minha amada fantasia, se nunca mais procurei você. Um dia a gente se vê.

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