O menino estava confuso. Ele passou tanto tempo apaixonado pela
professora que não percebeu as meninas da sua idade que passavam e olhavam pra
ele, vez por outra. E, como ele não reparava nelas, nada acontecia. Ele ficava
apenas pensando e lembrando o que a professora havia ensinado. Mas já havia muito
tempo que ele não tinha aulas com ela. Ele até tentou continuar aprendendo, mas
não conseguiu. A professora, pelo menos na opinião dela, já tinha ensinado tudo
o que o menino precisava saber e deveria ter outras aulas com outras
professoras.
Coraçãozinho apertado, ele seguiu pela escolinha da vida. Entrou numa sala
e aprendeu coisas novas. No início ele até se empolgou. Achava que a nova
professora poderia ensinar algo que mudasse sua vida, mas logo ele percebia que a aula nem
era assim tão interessante, perdia o foco e se deixava lembrar de outros
tempos.
E assim, numa hora de recreio, sentado com um lanche sem graça e sem
gosto nas mãos, foi que ele conheceu uma menina, mais ou menos da sua idade.
Seu nome era Alegria, disse ela. Ele olhou espantado e perguntou: - Sério!?! Seus
pais deram a você o nome de Alegria!?!
Ela riu. Disse que não, que na verdade seu nome era Felicidade e que
Alegria era só o apelido pelo qual ela gostava de ser chamada. Ele riu também
sem saber se era sério ou não e começaram a conversar.
Ela disse que sempre reparava nele e que ele parecia sempre distante,
como se estivesse sempre sonhando. Ela confessou que por várias vezes já havia
passado bem na frente dele pra chamar sua atenção e nada. Até os livros ela
deixou cair de propósito na frente dele e nada. Ela disse: - Você pegou os
livros e me entregou, mas simplesmente não estava lá. Foi um gesto mecânico,
uma generosidade que deve ser sua por essência, mas nada mais do que isso.
Ele confessou que não se lembrava disso e ela perguntou: - Onde você
está quando está sonhando!?!
- Eu!?! Bom... você não vai querer saber de verdade e eu não vou
inventar uma história pra você, porque você me parece uma pessoa bacana. Ela
respondeu dizendo que queria sim saber a tal “verdade” e que tinha todo o tempo
do mundo, se ele quisesse contar.
Ele olhou, pensou, olhou de novo e disse: - Vou contar em linhas
gerais. Tive uma professora importante na minha vida. Alguém que me ensinou
muito mais do que as coisas do dia-a-dia, me ensinou valores, me ensinou a
vibrar com a lua cheia, me ensinou a me emocionar com o pôr-do-sol. Tive muitas
aulas com ela e mesmo depois do curso acabado, continuei aprendendo, toda vez
que me lembrava de um pequeno gesto, uma palavra que eu não tinha dado atenção,
coisas assim. Isso já faz muito tempo. Ela não dá mais aulas pra mim e eu não
tenho vontade de aprender outras coisas com outras pessoas. Você me entende?
- Entendo e não entendo. Você diz que ela foi sua professora preferida.
Você diz que aprendeu muito com ela, como se ela tivesse mudado a sua origem, o
seu jeito de ser. Ao mesmo tempo você não é feliz. Como pode ser isso!?! O que
é que prende você a uma lembrança que entristece? Que escolha esquisita essa
sua. Somos bem diferentes.
- Somos!?! Então me conta um pouco de você! Como você aprende? Que aulas
você frequenta? O que faz você feliz!?!
Ela riu um riso largo e disse: - Vem comigo! E ele foi.
- Vamos fazer uma viagem. Vamos dar as mãos e fechar os olhos e vamos
nos permitir, combinado?
- Combinado!
Os dois fecharam os olhos e deram as mãos.
- Não vale roubar! Você tem que ficar com os olhos fechados. Ok!?!
Agora comece a sentir. Sinta primeiro o vento batendo nos nossos rostos. Com ele
vem o cheiro da chuva que se aproxima. Sinta o que isso provoca em você, sinta
como é bom beijar o vento e como é gostoso o cheiro da chuva. Agora esvazia a
cabeça, imagina a luz de um grande sol e só isso. não deixa mais nada entrar no
seu olhar e no seu pensamento. Só o sol. Tá sentindo o calor? Tá percebendo como
a luz dele brilha forte? Imagina que você tá chegando um pouco pra trás agora.
Tá vendo o céu azul? Os pássaros!? Agora se prepara para voar. Vamos lá falar
com os pássaros bem de perto. Pronto!? Vamos lá então! Sente seu corpo flutuar,
você está leve. Agora você e o vento são um só. Os pássaros cantam só pra você
e, se você olhar lá pra baixo, vai ver o mar e nele os peixes e as ondas. Consegue
sentir o cheiro dele? Então vamos dar um mergulho! Um, dois e vamos... você
consegue ver toda a vida que existe dentro do mar? Percebe o movimento da maré
e os cardumes de peixe que vão de um lado para o outro em uma espécie de dança
mágica!? Relaxa...o mar vai te lembrar do aconchego de mãe. Pensa na sua mãe,
no tamanho do amor que você sente por ela e em todo o amor que ela deu para
você. Pensa em como era quando você ainda não era um menino grande. Lembra do
carinho incondicional e da admiração que todo mundo tinha por você... todos
falando que você é lindo, todos fazendo planos e compartilhando sonhos sobre
você. Lembra das brincadeiras de criança, da ciranda, de roda, das canções. Lembra
dos carinhos que você ganhou e que foram tantos e tão bons que fizeram você
querer retribuí-los para sempre. Agora, vem comigo, vamos subir numa roda
gigante e olhar o mundo lá de cima... olha como tudo fica pequeno, repara como
as coisas mudam quando a gente olha de longe. Vamos voar mais um pouco, só pra
ouvir o silêncio, sem pressa de chegar, sem medo de cair, sem compromisso de
ser, sem nada. Só voar... e depois, vamos voltar e abrir os olhos devagar...
- Nossa! O que aconteceu? Que delícia! O que foi que você fez!?!
- Nada. Apenas fechei os olhos e fiquei em silêncio do seu lado por uns
quinze minutos. Por que?
- Você me disse um monte de coisas e me levou numa viagem incrível.
E ela riu e apenas perguntou se ele estava mais feliz. Ele estava. E
ela disse que nada daquilo era dela. Que tudo aquilo era dele, era ele. E ele
sorriu e se deu conta de que ainda estava de mãos dadas e que ele não queria largar.
E se levantaram e começaram a andar juntos. O Menino e sua Alegria.
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