terça-feira, 23 de julho de 2013

Chuva


A chuva caía lá fora e batia na janela do menino. Acordado desde cedo, ele pensava na vida e no viver. Tinha vontade de sair pelo mundo fazendo coisas que lhe pareciam boas para ele e para todos. Tinha vontade de pintar as ruas de outras cores que não cinza, para que fosse possível marcar um encontro na esquina de azul com amarelo. Tinha vontade de plantar macieiras e laranjeiras pela cidade para que as pessoas pudessem colher quando tivessem fome. Queria também plantar flores do campo em todos os canteiros de todas as ruas da cidade para que ninguém tivesse mais desculpas para não oferecer flores a quem se ama.

A chuva batia fraca na janela e os pingos viravam gotas que como lentes de aumento mudavam a paisagem e mostravam que o mundo era mais do que se via.

Ele sabia que a hora estava chegando. Precisava se preparar, se vestir e pensar no que ia dizer. Olhava o relógio e pensava: - Falta pouco, muito pouco. E, mesmo assim não sabia bem o que esperar daquele momento. Resolveu rezar. Fechou os olhos e entoou suas orações favoritas: uma Ave Maria e um Pai Nosso. E depois, começou a conversar com Deus, da maneira que fazia sempre, como se estivesse a Sua frente.

Pai, vou precisar da sua ajuda. Sei que não posso mais ser como sou hoje. Sei que é preciso mudar. É preciso assumir um tom mais sério e mais sisudo. Sei que já deixei de ser filho para ser pai como o Senhor, e é por isso que vim conversar.

Andei pensando, ouvindo, observando, lendo e prestando muita atenção na forma com que as pessoas se relacionam com o mundo e entre elas. Me parece tudo tão cheio de egoísmo, tão pequeno. Vejo amigos que já cresceram preocupados em mostrar que são os melhores nisso ou naquilo, vejo meninas que até ontem sonhavam, vivendo de acordos com o possível, negando suas esperanças e se conformando com o que houver para viver. Me assusta. Sei que preciso crescer e sei que o relógio não para, mas queria fazer diferente. Acho que se eu puder ser gente grande com coração de menino e menino com cabeça de gente grande, talvez eu consiga crescer sem deixar de lado os meus sonhos.

Pai, é possível ser assim? É possível conviver com um mundo onde a sensibilidade é vista como tolice? É possível conviver com gente que não sabe nem quer saber como é lindo o nascer do sol? É possível brincar com gente que nem lembra mais o que é pique, ou marraio, ou ciranda?

Pai, me ajuda por favor. Me ensina a não andar com os pés no chão, mas não me deixe andar sozinho.




E nessa hora alguém veio lhe chamar para dizer que já estava na hora de ir ao enterro de seu pai. E o menino chorou como menino. E o homem chorou como homem.


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