quarta-feira, 31 de julho de 2013

Quando foi que o tempo parou?


Foi quando, ainda menino, senti meu coração batendo forte pela primeira vez? Era apenas o primeiro dia de aula e ela estava lá: linda, loura e de olhos luminosamente verdes.

Foi no meu primeiro beijo? Era noite de Carnaval, mas o ritmo era outro. No salão, confete e serpentina. No meu peito, paixão e alegria.

Foi quando fiz amor? Uma tarde, uma viagem, uma menina e eu. Um momento para sempre.

Foi quando o raio de sol deu bom dia à menina amada? Falávamos ao telefone e ela narrava que o raio de sol chegava cada vez mais perto dela, ainda deitada. E eu só queria brilhar naquele dia.

Foi quando mergulhei nas covinhas de um sorriso? Cabelos cheios de cachos, um fim de tarde chuvoso, um bom banho de chuva e um sorriso para guardar para sempre.

Foi quando casei pela primeira vez? Tudo parecia destinado a dar errado, mas havia amor, havia paixão, havia querer, havia razão.

Foi quando a fantasia me levou pela mão? E levou mais alto, levou mais longe, levou leve e me trouxe de volta.

Foi quando escolhi ser mais maduro? Era hora de casar de vez, pensar em filhos, família, casa, comida, roupa lavada, compromissos.

Foi quando mais amei?


Quando foi que o tempo parou?

Parou?


terça-feira, 30 de julho de 2013

Não existe amor maduro


- Já tava na hora de você encarar um amor maduro, não é!?!
- Amor maduro? Acho que isso não existe.

Assim começou a conversa que se desenrolaria ou se enrolaria. Logo de cara ficou claro que os dois pensavam de modos bem diferentes. Um dizia que o amor maduro é aquele que sobrevive à falta de paixão, que é movida por ideais comuns, por uma cumplicidade de vida, pelo companheirismo. E o menino dizia que só isso não fazia sentido para ele.

- Acho que tive apenas um amor maduro, como você chama, na vida. Foi minha ex-mulher. Com ela tive uma relação madura, comprometida, companheira e cúmplice – principalmente por conta da nossa filha. Mas foi só.
- E não é isso o que você está procurando agora?

Não era.

Para ele o amor é infantil, nunca inconsequente ou irresponsável, mas sempre infantil. Amar, embora não possa ser precisado, é uma forma de viver infantilmente, com um permanente sopro de vida forte no coração, com eternos frios na barriga, com paixão, com loucuras, com intensidade.

- Mas não há paixão eterna. Acredito em picos de paixão, mas não dá pra imaginar que um relacionamento seja sempre repleto de momentos de amor e paixão.
- Pode até ser que haja mesmo os tais picos. É verdade que em alguns momentos um simples nascer do sol, um simples caminhar na praia, uma simples música sejam capazes de despertar a paixão com uma intensidade ainda maior. Mas o amor é feito principalmente disso. É isso o que precisa ser buscado o tempo todo.

O outro não entendia. O menino já havia passado por vários relacionamentos. Tinha sido casado. Tinha amado grandes amores. Como era possível que ele não entendesse que o amor tinha que ser maduro, bem escolhido, bem cuidado, bem tratado.

O menino entendia.

- Prefiro pagar o preço de errar mais vezes do que me contentar com menos do que o máximo. Acredito que em algum lugar exista alguém com quem eu seja capaz de me emocionar sempre, que tenha paixão para trocar todos os dias, que respire a intensidade do amor da mesma forma que e respiro.
- Acorda!!!
- Estou acordado. O que estou dizendo é que, se eu encontrar essa pessoa, serei capaz de viver o amor mais maduro, mais cuidado, mais comprometido, mais companheiro, mais cúmplice, mais bem tratado e mais preservado possível. E também serei capaz de viver a paixão mais intensa, os momentos mais felizes, as alegrias mais escrachadas, os sorrisos mais largos e é só isso o que eu procuro.


O outro quase teve pena do menino, mas parou de falar por um instante e se permitiu imaginar que o sonho do menino pudesse ser real. Suspirou um suspiro fundo e desejou sorte.


segunda-feira, 29 de julho de 2013

O que você quer ser quando crescer?


O telefone tocou e ele atendeu sem reconhecer o número. Do outro lado, uma voz de homem pergunta se ele pode falar. Ele pode. Se pelo menos souber quem é. A pessoa se apresenta como sócio de uma empresa que ele admira muito. Ele acende um cigarro e fecha a porta de sua sala para não dividir a atenção. Era um convite de emprego com base em muitas recomendações. Faltava uma conversa ao vivo, mas era coisa certa.

Desligou o telefone pensando no que fazer. Acendeu outro cigarro, ainda com a porta fechada e voltou no tempo em busca de uma resposta. Ao invés disso deparou-se com uma pergunta: - O que você quer ser quando crescer?

Sua referência maior era o pai advogado. Lembrou-se dos tempos que, com cinco ou seis anos, acompanhava o pai nas manhãs de sábado nas idas ao escritório. Era um dia de glória para ele. O pai ia para a sua sala e ele ficava tentando ligar as máquinas elétricas e encontrar papel para escrever qualquer coisa, desde que fosse bem rápido. Atendia telefonemas imaginários no PABX que havia em cada mesa e criava soluções incríveis para problemas que só ele saberia resolver.

Escrevia até acabar a fita da máquina. Triunfava diversas vezes com seus clientes fictícios. Curtia estar próximo ao pai, seguindo os passos de uma carreira até então sonhada com muita vontade.

O tempo passou e ele passou a acompanhar a mãe no seu brilhante esforço de recuperar o tempo perdido. Ela abandonara os estudos antes de fazer vestibular e havia decidido recomeçar. Depois de algum tempo, passou para a faculdade de comunicação onde ele frequentou muitas aulas junto com ela, por não ter com quem ficar ou por ter.

O primeiro emprego na área da mãe não chamou sua atenção. Ela havia se tornado relações públicas de uma fábrica de cosméticos. A única coisa da qual ele ainda se lembrava era das operárias apontando batons antes de empacotá-los. Mas o emprego seguinte era fascinante. Ela havia sido escolhida para montar o departamento de relações públicas de uma agência de propaganda.

A agência ficava perto do seu colégio e, muitas vezes, ele ia aproveitar a carona da mãe na hora do almoço. Era quando conhecia os adoráveis seres criativos que faziam barulho e bagunça na hora do trabalho, sem nenhuma censura e até mesmo com o incentivo dos diretores. Que lugar mágico, ele pensava. Parece um jardim de infância para adultos.

Seu destino balançava entre os dois mundos. O direito e a publicidade. Ele escolheu o coração. Ainda tentou cursar direito, sabendo que não era o certo. A carreira foi sendo construída com inteligência, altos, baixos, médios, avanços e retrocessos. E, de repente o menino se via convidado para assumir uma nova posição, em uma nova empresa, novo ambiente, novas cobranças e muita seriedade.

O tal jardim de infância para adultos já havia se tornado pós-doutorado, ainda que para adultos mesmo. Ele já não se divertia tanto. As pessoas, apesar de criativas, já não eram tão livres ou engraçadas. Ele precisava pensar. Foi quando teve uma ideia simples. Sentou na frente de uma máquina, desta vez um computador, e começou a escrever. Isso sempre o ajuda a pensar melhor.


Mas a pergunta ainda o atormentava: - O que você quer ser quando crescer? E o texto acabou e ele não sabia a resposta.


Futuro do Presente

A necessidade de ser amado é uma demanda complicada. O menino sofre disso. O propósito da vida do menino é ser amado. Coisa doida. Mas é assim. Claro que antes de ser amado, ele precisa amar. Amar como verso de poesia, amar como letra de música, amar como cena de filme. Não dá para ele simplesmente encontrar alguém, se afeiçoar e depois ir construindo um amor. Isso não é dele. Ele não aprendeu a ser assim.

Uma vez o menino sonhou com seu futuro. E começou sorrindo.

No sonho, o menino tinha construído uma família. Estava casado e tinha uma filha linda. Vivia feliz e tranquilo, apesar de algumas brigas que quase acordavam o menino. No sonho, o menino contemplava sua filha como o maior tesouro da sua vida e olhava sua mulher cheio de carinho.

A mulher parecia ser a mulher certa. Ele olhava e olhava e, mesmo não sentindo mais a paixão dos primeiros dias, sentia amor. Um contrassenso para ele mesmo que vivia movido à emoção. Eles já tinham convivido tempo demais e se conheciam bem demais. Eles eram cúmplices de uma vida e cúmplices da sua filha. Ele se sentia calmamente feliz ao lado daquela mulher que lhe parecia tão parte dele mesmo.

O sonho continuou e as brigas começaram a ganhar mais peso. Os dois começaram a discutir com mais força e ambos se pegavam caminhando para direções opostas. A cada discussão,a vida dos dois ganhava um rumo diferente. Entravam, sem saber como, em ondas diferentes e tudo parecia ficar mais lento e pesado. As brigas não se resolviam, viravam marcas de um relacionamento tenso. E ambos optavam por passar por cima das divergências para ficarem próximos à filha, seguindo cúmplices mesmo que machucados.

A cada nova marca, a questão sobre a paixão e a necessidade de ser amado e de amar, crescia mais e mais. Era doloroso para ele, e certamente também para ela, seguirem discutindo e buscando a razão na altura da voz. Ela dizia: - O problema é que você argumenta muito bem e ele dizia: - O problema é que você não me ouve e nem me entende. E a filha não dizia nada, mas ouvia a tudo com a dor da impotência.

As brigas e marcas continuaram crescendo. O tom de voz continuou subindo. Até que o sonho virou um pesadelo do qual tudo o que se quer é acordar. E foi no pesadelo que encontraram outra forma de se relacionar. Resolveram buscar seus próprios caminhos, mas só depois de tentaram de tudo para voltar ao sonho. Tentaram e não funcionou. Buscaram a separação, um do outro e buscaram a não separação da filha tão amada.

Cessaram as brigas e as marcas, mas a distância do menino para a filha aumentou. Eles já não moravam juntos, não compartilhavam de momentos íntimos, não tomavam café da manhã na mesma mesa nem conversavam até o sono transformar palavras em reticencias. O convívio diminuiu, como era normal que acontecesse, porque também a menina crescia e buscava sua própria vida, seus próprios caminhos, seus próprios sonhos.

O menino seguiu um caminho solitário, separado não apenas da mulher que lhe deu a filha, mas também da filha que lhe deu a vida. E essa separação doía. Ele buscava o equilíbrio, dava espaço e eventualmente buscava conquistar o seu espaço também. Tentou de várias maneiras chegar mais perto da filha. Tentou ser duro, tentou ser mole, tentou ser generoso, tentou não ser. Nada parecia funcionar da forma que ele esperava. E, quando se deu conta, começou a brigar com a própria filha em busca de amor. Dessas brigas surgiram marcas. E logo nas primeiras marcas ele decidiu que não queria viver daquela forma. Não queria marcar, não queria machucar e não queria se arrepender do que dizia.

O menino parou para pensar e entendeu que não poderia criar expectativas nem mesmo sobre a sua filha, tão querida e tão amada. E antes que o sonho ,que já havia virado pesadelo e voltado a ser sonho, se transformasse novamente em pesadelo, ele escolheu acordar.


E acordou chorando. Sentindo que seria ainda mais menino no seu futuro do que havia sido antes de sonhar.


terça-feira, 23 de julho de 2013

Chuva


A chuva caía lá fora e batia na janela do menino. Acordado desde cedo, ele pensava na vida e no viver. Tinha vontade de sair pelo mundo fazendo coisas que lhe pareciam boas para ele e para todos. Tinha vontade de pintar as ruas de outras cores que não cinza, para que fosse possível marcar um encontro na esquina de azul com amarelo. Tinha vontade de plantar macieiras e laranjeiras pela cidade para que as pessoas pudessem colher quando tivessem fome. Queria também plantar flores do campo em todos os canteiros de todas as ruas da cidade para que ninguém tivesse mais desculpas para não oferecer flores a quem se ama.

A chuva batia fraca na janela e os pingos viravam gotas que como lentes de aumento mudavam a paisagem e mostravam que o mundo era mais do que se via.

Ele sabia que a hora estava chegando. Precisava se preparar, se vestir e pensar no que ia dizer. Olhava o relógio e pensava: - Falta pouco, muito pouco. E, mesmo assim não sabia bem o que esperar daquele momento. Resolveu rezar. Fechou os olhos e entoou suas orações favoritas: uma Ave Maria e um Pai Nosso. E depois, começou a conversar com Deus, da maneira que fazia sempre, como se estivesse a Sua frente.

Pai, vou precisar da sua ajuda. Sei que não posso mais ser como sou hoje. Sei que é preciso mudar. É preciso assumir um tom mais sério e mais sisudo. Sei que já deixei de ser filho para ser pai como o Senhor, e é por isso que vim conversar.

Andei pensando, ouvindo, observando, lendo e prestando muita atenção na forma com que as pessoas se relacionam com o mundo e entre elas. Me parece tudo tão cheio de egoísmo, tão pequeno. Vejo amigos que já cresceram preocupados em mostrar que são os melhores nisso ou naquilo, vejo meninas que até ontem sonhavam, vivendo de acordos com o possível, negando suas esperanças e se conformando com o que houver para viver. Me assusta. Sei que preciso crescer e sei que o relógio não para, mas queria fazer diferente. Acho que se eu puder ser gente grande com coração de menino e menino com cabeça de gente grande, talvez eu consiga crescer sem deixar de lado os meus sonhos.

Pai, é possível ser assim? É possível conviver com um mundo onde a sensibilidade é vista como tolice? É possível conviver com gente que não sabe nem quer saber como é lindo o nascer do sol? É possível brincar com gente que nem lembra mais o que é pique, ou marraio, ou ciranda?

Pai, me ajuda por favor. Me ensina a não andar com os pés no chão, mas não me deixe andar sozinho.




E nessa hora alguém veio lhe chamar para dizer que já estava na hora de ir ao enterro de seu pai. E o menino chorou como menino. E o homem chorou como homem.


Projeto


Sim, escrever é hoje meu maior prazer. Não escrevo para mudar nada nem ninguém, porque não é possível mudar nada nem ninguém. Escrevo porque é a melhor forma de ser quem eu sou. A Clarice Lispector falava alguma coisa parecida e eu até copiei no meu perfil aqui no Blogger. De qualquer forma, escrever é uma espécie de catarse, e catarse, como diz meu analista é uma forma de purificação.

Estou decidido a escrever um livro. Um livro de histórias sem a classificação de ficção ou não-ficção, mesmo porque entre as coisas que escrevo existe um tanto de verdade e um tantão de fantasia.

O primeiro passo é desenvolver o projeto em si. Um livro online me parece o caminho mais lógico. Uma forma de ser accessível e disponível para mais gente em vários lugares do mundo. Ficar ao acesso de um toque dos dedos ou do click de um mouse me parece interessante como caminho. Mas não basta saber que quero escrever e publicar um livro online. Preciso definir que livro é esse.

Um livro em que me exponho e evito expor as outras pessoas. Acho engraçado, mas as pessoas não gostam de se ver como personagens, ainda que sejam. Tudo bem. É uma escolha delas e eu posso respeitar isso. Eu não me importo com a exposição. Acho que é o meu jeito de dizer quem eu sou, porque sou como sou e fazer com que as pessoas vejam uma outra referência, um outro ponto de vista, uma outra forma de ver o mundo.

A escrita é um prazer antigo. Comecei antes dos quinze, com poesias que nem posso mais reler. Cada vez que pego as folhas datilografadas fico com vontade de rasgar mais da metade e de reescrever o que sobrar. Depois, foram anos e anos de guardanapos rabiscados com tinta esferográfica nos quais deixei emoções e sentimentos adolescentes. Sempre com o recurso fácil da poesia sem rima, e muitas vezes sem sentido. Só mais tarde, bem mais tarde, descobri na prosa um estilo mais simples e mais franco para dizer o que penso e sinto.

Minha temática é recorrente. A eterna briga entre o homem e o menino. Ente o emocional e o racional. Não preciso escolher entre um e outro, preciso aprender a combinar os dois. Não quero ser apenas o homem maduro e racional, acho muito chato. Mas também não estou disposto a viver criança emotiva pra sempre, acho tolo demais. Minha busca é pela mescla, pelo equilíbrio interno que se reflete nas minhas relações com o mundo e com as pessoas. E, mesmo que isso pareça simples para você, é complexo para mim.

Junto com minha busca tematizada em histórias tem toda uma série de questões que me acompanham desde sempre. O amor é a maior questão. Sempre foi. É nele que experimento o desafio de ser mais homem ou mais menino, mais emotivo e romântico ou mais prático e seguro. E é nele que nunca experimento o viver sozinho. É o amor quem me traz a experiência de conhecer outros “eus” e com isso buscar meu equilíbrio e harmonia na forma de uma história de amor.

Este não é meu primeiro nem será meu último blog. Ele é apenas o depósito de emoções e rabiscos, ainda que tortos das minhas fantasias. Meu projeto reúne o que escrevo aqui, com o que já escrevi e publiquei no blog Incompetentes Emocionais e algumas coisas que publiquei num blog mais antigo chamado “Já te disse que você é linda hoje?” – o erro de concordância é proposital, era uma frase diária que celebrava o prazer de ver uma pessoa todos os dias, ainda que em pensamento, que saía do “te” para o “você” porque era a forma de estar mais perto. Esse não está mais no ar, mas ainda guardo seus textos.

Vou trabalhar no livro com vontade de contar o que sinto, o que penso, o que sou e com vontade também de que isso possa interessar a alguém. Por isso, se você gostar de um texto, me fale. Se não gostar, me fale também. Se algo não ficar claro o bastante, me avise. Se eu estiver sendo repetitivo demais, me dê um toque. Mas se não gostar por não gostar simplesmente, me dê apenas adeus.


E segue o baile.


segunda-feira, 22 de julho de 2013

Quando morre um menino

Saber da morte de um amigo de colégio logo de manhã é triste. Morreu Marcelo LaBandera. Um dos inúmeros meninos que corriam pelo colégio a fora, fosse atrás de uma bola, fosse atrás de um bagunça. Nunca fomos melhores amigos. Nos conhecíamos e nos encontrávamos nas reuniões, sempre saudosistas, dos ex-alunos do Colégio das nossas vidas. Soube ontem que ele teve um grave rompimento de aneurisma cerebral. Soube no mesmo ontem quando tínhamos um desses chopps marcados, e eu que não ia a nenhum já algum tempo havia me organizado para ir e rever os amigos. Hoje pela manhã comecei a ler as mensagens que confirmavam sua morte.

Marcelo devia ter 47 anos. Os mesmos 47 que farei na quinta-feira que vem. A mensagem que pedia orações e informava sobre o aneurisma foi postada por sua filha que deve regular de idade com a minha filha. Os amigos em comum são inúmeros. A tristeza é comum a todos nós.

Minha primeira reação frente à morte é rezar. Rezo para que Deus o receba e que ele descanse em paz. Rezo com toda a minha fé. Rezo e penso. E penso. E penso.

Penso que deveria ter ido aos outros chopps e aproveitado cada momento com mais gargalhadas, com mais afeto, com mais intensidade.

Penso que a vida é assim mesmo, que a morte vem mais cedo ou mais tarde, mas vem. E que é por isso mesmo que tenho que aproveitar a vida todos os dias.

Penso que não é possível deixar nada para amanhã. Meu tempo é hoje, disse o poeta.

Penso nos exemplos deixados, nas referências deixadas, na vida vivida. Penso em não me contentar com menos que o máximo.

Penso e rezo. E rezo. E rezo.

R.I.P. Marcelo LaBandera


quarta-feira, 17 de julho de 2013

Menos menino, mais feliz!

A vida é engraçada. O menino às vezes tomou atitudes das quais se arrependeu. Uma delas o obrigou a parar para pensar. Ele estava em um namoro bom, com uma pessoa boa, cheio de coisas boas por todos os lados. As coisas iam bem, intensas como sempre, mas bem. Ele se dedicava a entender e a realizar os desejos da menina e ela devolvia os gestos dele com gestos de carinho e entrega.

Em algum momento, ela o questionou disso ou daquilo, não faz diferença. A questão em si foi o que fez com que ele mudar de comportamento. Ser questionado nunca foi algo muito simples para o menino, apesar de tão natural. Na maneira dele ver o mundo, sua dedicação, sua entrega, sua devoção aos relacionamentos em que entrou justificam apenas que o retorno seja em forma de carinho e amor incondicionais. Ser questionado soava como uma afronta.

Relacionamentos, para ele, sempre foram como os tais sonhos dos quais ele tanto fala. Questionamentos não, estes são como chutes de realidade no rosto. Sua reação é acordar, como quem acorda de um sonho bom com o insuportável barulho de um despertador antigo. Acorda de mau humor, acorda chateado, acorda sem café e sem vontade de falar. Reage como um menino que dormiu tarde demais e que por isso não quer ir à escola no dia seguinte. Em um momento rápido ele passa do menino dos sonhos para o menino sem educação, rude e egoísta dos seus piores pesadelos. É quando o menino é mais menino, mais infantil, mais menos.

O problema é que perceber isso não é nada fácil. Implica em rever seus antecedentes quase criminais, em lembrar das tantas vezes em que foi tão menino e implica em rever seus próprios conceitos e a si mesmo.


Em algum momento ele se deu conta de como era tolo. Em algum momento encontrou alguém que não desistiu dele nem quando ele foi mais menino. Alguém que o amou quando ele menos merecia, porque era quando ele mais precisava. Em algum momento ele teve a sorte de poder voltar atrás, se entender e se desculpar e seguir menos menino, mais feliz.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Ninguém é tão bacana assim

O menino tem manhas e manias. Ele sabe disso e não esconde de ninguém. O menino sabe da sua necessidade de ser gostado, admirado, desejado até. Ser uma pessoa bacana é sua meta e ele faz de tudo para estar presente na vida das pessoas e para fazer diferença para quem passa pelo seu caminho. Algumas pessoas estranham. “Ninguém é tão bacana assim”, mas ele segue seu caminho tentando fazer o melhor que conseguir fazer.

Ele conheceu uma menina e se encantou por ela. Eles diziam e pensavam coisas parecidas e por isso o toque das mãos, o olhar e o carinho foram inevitáveis. Logo, começaram um romance intenso e cheio de momentos pra não esquecer. Ele ficou fascinado com a menina que combinava seu jeito carinhoso com sua força de enfrentar os desafios da vida, sempre com um sorriso no rosto. Encantado, o menino fez o que sabia fazer e se fez importante, diferente, atento e presente em cada momento da vida da menina.

Alguns meses depois, a relação ganhou peso e força. Mas algo o incomodava. Ele não entendia, nem imaginava, mas seu compromisso em ser super-herói o tempo todo fazia com que ele demandasse um reconhecimento especial. Esperava dela uma cumplicidade cega. Nunca imaginou que pudesse ser questionado até que isso aconteceu. Ela tinha dúvidas naturais, sentimentos naturais, expectativas naturais e ele entendeu tudo da maneira infantil que os super-heróis têm para entender as coisas. Uma dúvida é um desafio. Uma dúvida é uma agressão. Uma dúvida carrega o peso da realidade. É como um balde de água fria acordando o sonolento.

Ele ainda tentou, de todas as formas, lidar com a questão. Tentou contornar o assunto como um super-herói faria, tentou recriar a fantasia, tentou mostrar e ver outros lados da mesma questão. Não percebeu que a questão era justa e simples. Deu a ela a dimensão de uma questão vital como qualquer super-herói faria. E, não encontrando solução no seu mundo de fantasia preferiu partir a transformar a menina num super-vilão.

O Super-Homem tem a Fortaleza da Solidão para os momentos em que ele se vê só, confuso, perdido. Mas o menino não. Ele tem, de fato, sua própria casa e seus amigos. Escolheu ficar com ele mesmo, cercado de algumas fantasias que o convidavam a viver experiências extraordinárias em planetas desconhecidos. Ele fingiu (para si mesmo) que iria, mas no fundo sabia que não podia ir a lugar nenhum.


Pensou, pensou, pensou e no meio de tanto pensar se deu conta da falta que a menina fazia. Se deu conta também de como aquilo tudo era tolo. Passou em frente a um espelho e caiu em si. Ele não era o super-herói em que queria acreditar. Olhou para ele mesmo e disse: - Você é só um menino, procurando uma família.

E foi voando procurar a menina.



quinta-feira, 11 de julho de 2013

Eu não minto

O pai havia avisado e repetido inúmeras vezes: - Não jogue bola na garagem! O menino sabia que não podia e nem devia, mas mesmo assim, de vez em quando, dava uma fugida para chutar contra o gol imaginário que ficava entre o elevador de serviço e a escada de incêndio. Eram gols narrados com a imaginação e com a emoção que só os meninos possuem. Gols com estilo, precedidos de dribles inesquecíveis. Ele mesmo ganhava o nome de seus ídolos e, tocando a bola dele para ele mesmo, ganhava ainda outros nomes até a conclusão com o chute a gol comemorado como se fora final da Copa do Mundo.

Empolgado em um dos lances históricos protagonizados por ele e sua bola Dente de Leite. O menino arriscou um lançamento em profundidade. O tiro certeiro encontrou a cabeça da antena do carro de seu pai quebrando o útil artefato e levando o artilheiro ao desespero. A bola quicou solitária ao lado da antena no chão da garagem e o menino foi ver de perto a falta grave que havia cometido.

Jogo parado. Ele só conseguia pensar no pior. Sabia que sua punição seria grave. No mínimo um cartão amarelo ou quem sabe até mesmo um vermelho. Imaginou a bronca do juiz e a raiva dos jogadores do outro time que logo o cercariam para punir com violência o lance infeliz.

Resignado, colocou a bola embaixo do braço e deu a peleja por encerrada. Tomou o rumo dos vestiários, chamando o elevador e subiu em silêncio até o sexto andar, onde morava. Deixou a bola na área de serviço, passou uma água nas mãos e no rosto e foi procurar o pai que estava deitado, lendo como de costume. Deitou-se ao lado do pai e disse:

- Pai, eu sei que você me disse para não jogar bola na garagem, mas mesmo assim eu fui lá e joguei. E pior, quebrei a antena do seu carro com uma bolada.

O pai sequer baixou o livro e apenas respondeu: - Tudo bem meu filho.

Tudo bem? Como assim? O menino não entendeu nada e perguntou: - Mas pai, você entendeu? Eu quebrei a antena do seu carro com uma bolada! Você não vai me dar uma bronca, me colocar de castigo?

- Entendi sim meu filho. Mas não posso castigar você por me contar a verdade. Chego a ficar feliz. Ainda bem que foi a do meu carro e obrigado por me falar.

E o menino nunca mais sequer pensou em mentir.



quarta-feira, 10 de julho de 2013

Foca no Impossível!

Tá confuso? Foca no impossível. O impossível não dá trabalho nenhum. Ele não tem a menor chance de acontecer e você fica a uma distância segura de qualquer decepção. Simples assim!

Por outro lado, se você cair na tentação de pensar no possível, esteja preparado: os bons momentos podem vir correndo encher seu coração de saudades, as palavras ditas podem voltar a fazer eco no seu ouvido, a lembrança de pequenos carinhos pode ficar enorme e você pode balançar.


Vai por mim, foca no impossível!

Catarse

Quanto mais eu falo e escrevo mais me entendo. É um exercício de catarse e, segundo meu analista, catarse quer dizer purificação. Então, é um exercício de purificação.

Tem dias que a cabeça parece que vai estourar. Tem dias que ao invés de seguir os caminhos que eu escolhi, eu simplesmente paro para me perguntar se os caminhos estão certos.

Que medo de me arrepender. Sim, tem dias em que me arrependo e que queria voltar no tempo para fazer diferente, pra tentar mais um pouco, pra não enlouquecer.


Depois, tento seguir e escrevo mais um pouco.

Pode Ser

Amar é uma necessidade fundamental do ser humano. Será? Acho que pode ser. Nascemos normalmente rodeados de amor por todos os lados. Pequenos e indefesos recebemos carinhos, atenções e afagos que nos dão o necessário conforto para acreditar na vida. Desde muito novos, acreditamos que ele existe, que ninguém é triste, que no mundo há sempre amor...

Mas nem sempre a vida nos deixa as coisas tão claras. Passada a infância, começam as questões da adolescência. Sem nos darmos conta, não somos mais o centro do mundo, que ganha outra dimensão, ganha novos atores e atrizes e que nos obriga a buscar um novo papel para nós mesmos. Haja questão.

Depois, envelhecemos e seguimos a busca. Alguns encontram cedo o que lhes basta e por isso seguem tranquilos pela estrada a fora, sem se preocupar com o lobo mau e nem com os perigos desta vida. Outros acham e perdem com imensa facilidade. Outros não acham nunca e outros ainda acreditam que um dia vão achar.

Na opinião do menino o amor está dentro de nós.

- Não é amor o que buscamos nos relacionamentos do caminho. Nossa busca é por ar. Ar? Sim ar! Ar que baste para respirar entre uma e outra batida do coração, porque ele vai bater de qualquer jeito, ele vai sentir de qualquer jeito. As pessoas não entram em você para mexer em algo que vai mudar o seu sentimento. As pessoas estão na sua frente e servem como inspiração, como modelo, como fonte de energia ou como ar. E é isso tudo o que faz o coração bater diferente. É a capacidade de sentir o inexplicável o que chamamos de amor.

- Mas se for assim, podemos escolher quem amar. Não há porque sofrer de amor por ninguém, não há questões que aumentem ou diminuam o sentimento. É isso mesmo?

- Tá bom, talvez ar não seja mesmo o melhor exemplo.

O menino, mais velho, continua...

- Acho que você esquece que não existe amor quando ele só pertence a uma pessoa. O amor é a ligação entre duas pessoas. Pode haver carinho de um lado só, pode haver desejo de um lado só, mas amor não. Ele só existe quando duas pessoas possuem uma ligação que alimenta os dois da mesma forma. O fato de que o coração vai continuar batendo não tem a ver com o amor que ele sente. O amor não está na batida do seu coração, está no seu ritmo. Sofrer de amor não faz o coração parar de bater, faz ele desafinar.

- Pode ser...


- Pode...


terça-feira, 9 de julho de 2013

Coração não se cansa

De amar meu coração não se cansa
mesmo que desiludido bata
mesmo que cansado esteja
mesmo contra as chances todas.

Meu coração, amigo meu,
sabe melhor que ninguém o rumo que segue.
Toca melodias que em nada lembram
os tambores ritmados e seguros,
expectativa normal, de outros corações.

Meu coração, quando esmoreço, diz-me:
levanta menino, ainda há muito a viver
ainda lhe darei sonhos e sensações
que você nem suspeita existirem;
levanta menino. Ergue a cabeça
e sente o vento batendo no seu rosto
e acredita menino: o melhor ainda está por vir

De amar meu coração não se cansa.
Talvez se canse das saudades,
talvez se canse das decepções,
talvez se canse da própria ilusão
e talvez não.



Roubei de outro blog... só que também é meu.. então posso!




Falar de Amor

Meu pai tinha muita dificuldade em juntar essas três palavras e dizer: Eu te amo! Não que ele não amasse, amava muito e demonstrava do seu jeito todo o tempo, mas não havia aprendido a dizer isso. Talvez tenha ouvido pouco, não sei, não quero julgar. Minha mãe, em compensação, sempre foi generosa com atos e palavras e essas três, juntas nessa ordem, sempre foram as suas preferidas. Assim, eu menino ficava entre os dois lados. O homem forte que demonstrava seu amor num aperto de mão, num presente sem razão, num telefonema sem intenção e a mulher sensível, ávida leitora de romances inverossímeis, elegante e gentil nos abraços, nos seus beijos e nos carinhos de toda uma vida.

Lembro-me da primeira vez que disse “eu te amo” para um amor. Éramos jovens, éramos apaixonados, éramos novos nessa história de amar. O que me encantou nela foi a possibilidade de amar. Quando me dei conta estava elevado a uma potência que não conhecia. O primeiro beijo, antes das palavras, os primeiros carinhos que surgiam com a certeza de que era capaz de amar, o primeiro possuir já convicto dos sentimentos puros de um menino, tudo isso foi minha porta de entrada no amor.

Depois, e por toda minha vida, amei muito. Falei muito. Acariciei muito. Beijei muito. E sempre, o momento de dizer “eu te amo” foi especial. É o momento que marca o surgimento de uma espécie de círculo mágico que protege os que amam.

Amor à primeira vista, acho que só tive um. Minha filha. Na verdade já a amava mesmo antes da primeira vista. Amava e amo incondicionalmente, mas não é esse o assunto.

No correr da vida, conheci gente que gosta de dizer eu te amo até para as plantas da sua própria varanda, conheci gente que guarda para o sexo as tais palavras mágicas, conheci gente que não sabe falar e gente que não sabe ouvir, mas isso nunca me fez diferente. Assim como na primeira namorada, sigo amando a possibilidade de voar e de alcançar a mágica de uma forma única.

Com isso, muitas vezes, me vi desejando amar. Querendo dizer “eu te amo” mesmo antes de ter certeza de estar amando. Opa... mas será que eu já tive essa certeza algum dia?

Sentir amor não é como sentir dor. Se você der uma topada na cama, você vai sentir dor e vai saber que está doendo, sem dúvida nenhuma. Mas se você der uma topada em uma mulher que faça seus olhos brilharem e seu coração disparar, nem assim você vai ter certeza de que aquilo é amor. Ou vai? Como não tem sintomas definidos e como não é doença, as pessoas creem na sua forma de amar como a única possível. Nem sempre é assim.

Garoto ainda, assisti a uma peça de teatro da qual nunca esqueci. Chamava-se “Aí vem o Dilúvio”. Uma peça divertida que falava sobre os valores humanos. E no meio da história, um casal (Totó e Clementina) perguntava o que é o amor. A resposta vinha na forma de uma música cheia de metáforas que apenas mostrava claramente que não há uma definição clara e única para o amor.

O fato é que amei muito e sempre.

A última vez que disse eu te amo, disse sabendo o que estava dizendo. Disse com o imenso e intenso prazer de ter encontrado uma mulher que me fazia feliz a cada momento. Disse porque era o que sentia, era no que eu acreditava. E mesmo depois de separados o amor sobrevive. Estranho isso. Mas, se pensar um pouco, sigo amando as pessoas que passaram na minha vida. Outro tipo de amor, sem desejo, sem vontade de estar junto o tempo todo, sem a esperança de que seja para sempre. Mas ainda assim, o que eu sinto se parece muito com o amor.

E tem o lugar do amor maior, o amor que não se esquece. Esse lugar fica reservado a quem apresentou a maior mágica, o maior brilho nos olhos, o carinho mais intenso, o querer mais sincero, o beijo mais gostoso, o cheiro mais inesquecível. O amor maior ocupa outro lugar, um lugar do seu tamanho e serve como certeza de que é possível amar assim. O amor maior é o maior por ser ele quem define o amor e o sentido de amar.


Falar de amor é sempre complicado. Dizer “eu te amo” não.



segunda-feira, 8 de julho de 2013

Na realidade, sonhos não existem.

- E se os seus sonhos se tornassem realidade? Como você lidaria com isso?

Era uma pergunta que ele não havia feito a si mesmo e não tinha resposta. Pensava e pensava e não sabia se conseguiria lidar com os sonhos transformados em realidade. A realidade é bem mais dura. - Se meus sonhos se tornassem realidade eu não ia mais poder esconder a parte difícil, e teria que aprender a conviver com o pacote todo, era a primeira coisa que vinha na cabeça dele.

- Bom, suspirou e se preparou para responder acendendo um cigarro. Primeiro acho que são duas coisas completamente diferentes: o sonho e a realidade.

Sonhos são as formas que a gente escolhe dar para o impossível. A gente sonha com coisas grandes, nunca com as pequenas. Sonhos são feitos grandes porque neles cabe tudo. Então, a primeira coisa é entender o que são meus sonhos.

Sonho com um momento mágico. Um encontro onde o resto do mundo vira cenário e moldura e, o tempo para. Nesse momento, só eu e ela existimos. Nesse momento a trilha sonora cresce, as vozes ao fundo viram ruídos e a luz vira um foco sobre ela e sobre mim. Dois segundos da mais perfeita sintonia tornam-se minutos, horas, dias. Dois segundos de encontro mágico viram um momento que será guardado para sempre na minha memória de menino. Falta me o ar. Não pensei no que dizer. Não sei como lidar, nem como tratar. Não sei se é a hora de um abraço apertado e dentro dele lágrimas de felicidade. Não sei se é a hora de um beijo grande e cheio de paixão e desejo.

Sonho que nesse momento passe ao lado um vendedor de flores do campo e que eu possa escolher o mais bonito buquê e que ela se emocione e se lembre dos mais bonitos buquês que já dei antes. Sonho com seu sorriso largo e com a sua gargalhada feliz. Sonho com seus olhos brilhando e refletindo sua ternura e carinho.

Sonho em segurar sua mão e convidá-la para andar pela praia. Não pela calçada, mas pela areia pertinho do mar que virá gentilmente acariciar nossos pés. Sonho que de mãos dadas possamos falar do tempo perdido. Sonho em acertar o passo para que juntos marquemos a areia com os pés direito e esquerdo simultaneamente. Sonho que esse passeio seja iluminado pela lua cheia e por estrelas curiosas.

Sonho que depois de andar e falar sejamos capazes de sentar e ouvir o mar. Sonho que o mar cante para nós e que nossos corpos estejam tão perto que nos sintamos um. Sonho que tudo isso seja divertido e leve, que não haja choro, que não haja mágoa, não haja culpa nem passado. Sonho que haja apenas o momento mágico. E sonho que os dois saibam aproveitar esse momento com uma alegria única e visceral.

- Conheço seus sonhos. Não é disso que estou falando. Perguntei como você lidaria com eles se eles se tornassem realidade.

- Eu sei, eu sei... vou chegar lá.

Na realidade o encontro pode acontecer por acaso. Um show, uma roda de samba, um bar, qualquer coisa. Na realidade as coisas acontecem quando (e se) tem que acontecer, acontecessem. Se eu a encontrasse talvez nem falasse com ela, talvez apenas fugisse sem dizer nem um: - Oi, como vai você?

Na realidade teria muito medo. Teria medo de encontrar uma pessoa ofendida pelos meus excessos do passado. Teria medo de não poder abraça-la com carinho e nem de perguntar se está tudo bem. Na realidade, meu momento mágico talvez não fosse nada mágico. Talvez fosse um encontro de um ou dois minutos, fosse por ela estar com outras pessoas, outros grupos, outro amor ou fosse apenas por eu saber que a mágica é bem mais rara na realidade.

Na realidade, se o encontro fosse bom e pudéssemos nos abraçar e matar a saudade imensa, eu perguntaria se nós poderíamos sair de onde estivéssemos para ficar um pouco sozinho com ela. Na realidade sei que as lembranças e medos voltariam rápidos e talvez ela me dissesse apenas: - É melhor não. E fosse embora.

Na realidade, se ela não fosse embora e concordasse em sair de onde estivéssemos, tomaríamos o rumo da praia ou de qualquer lugar e andaríamos quietos por um tempo até que os dois quisessem falar ao mesmo tempo. As primeiras perguntas seriam sobre os outros, como está ele, ela, fulano, sicrano, e sua mãe como está? Na realidade os dois se comportariam como dois amigos que não se veem há muito tempo. E talvez ela dissesse: - Melhor voltar, eles estão me esperando.

Na realidade, se ela não dissesse que era melhor voltar, talvez sentassem juntos num banco a beira mar e talvez a primeira palavra que eu diria sobre nós dois seria “saudades”. Talvez as saudades me trouxessem lágrimas aos olhos e talvez ela percebesse e até tentasse enxugar meu rosto dizendo que fico engraçado quando choro. Na realidade, eu mesmo secaria meus olhos e diria que sou um menino bobo para em seguida perguntar: - Você está feliz? E talvez ela me dissesse que sim, mesmo sem estar, e talvez ela me dissesse que não e começasse a falar. Talvez ela escolhesse devolver a pergunta e eu fosse obrigado a confessar que estou feliz. Na realidade eu diria que não posso deixar de ser feliz, falasse da minha filha, meu trabalho, meus amigos, minha vida e minhas escolhas. Talvez eu só dissesse sim e talvez nessa hora o telefone dela tocasse e ela levantasse para atender.

Na realidade, se o telefone não tocasse ou se ela apenas escolhesse ignorar o telefone, a conversa seguiria branda e talvez eu procurasse uma forma de dizer a ela que hoje a única coisa que desejo de verdade é saber que ela está feliz. Na realidade, sei que ela acreditaria em mim, mas sei que ela teria medo de falar demais, teria cuidado para não me machucar e evitaria me dizer o mesmo. Assim, talvez um rasgo de realidade maior passasse por perto e desviasse nossa atenção para que pudéssemos evitar um clima desnecessário.

Na realidade, se não houvesse algo que nos distraísse talvez continuássemos conversando e eu confessasse que tentei outras vezes amar. E contasse que o amor não tem medida nem é comparável, que ele existe de várias formas, que ele é real, mas nem sempre é pra sempre. Na realidade diria ter aprendido com outras pessoas que o convívio nunca é simples, diria ter superado crises e tido momentos únicos. Talvez, na realidade, eu começasse a comparar o incomparável, mesmo sem querer, falando sobre o que tivemos e sobre o que eu tive depois. Na realidade, talvez me desse conta que não faz sentido falar do resto e me desculpasse dizendo que aquilo era só uma forma de dizer que não morri depois de nós.

Na realidade, talvez conseguíssemos ser leves e levar a conversa leve, cheia de piadas e histórias que nos fizessem rir. Talvez bebêssemos uma cerveja, brindássemos e falássemos de um ou de outro, daquele dia assim ou assado, daquele amigo, daquela música, daquele show, daquela viagem, daquele momento. E sempre rindo pudéssemos nos dar conta de que não é o peso da ausência, mas a força da presença que move esse encontro. Na realidade, talvez o bem estar juntos nos fizesse bem à alma. Talvez perdêssemos a noção da hora e quando nos déssemos conta o sol já estivesse para nascer. Na realidade, talvez não houvesse entrelaçar de mãos, olhares mais profundos, vontades mais confessas. Na realidade talvez ficássemos em silêncio apenas na hora do sol nascer e, possivelmente, nos levantaríamos juntos e começaríamos a aplaudir o dia.


Na realidade, os sonhos não existem. E, na realidade não sei o que faria com eles.

sábado, 6 de julho de 2013

Bom dia fantasia

Acordei. Ela ainda dormia. Levantei devagar e fui fazer meu café de todo dia. Levei comigo o maço de cigarros. Botei a água para ferver enquanto tragava a primeira fumaça do dia. O silêncio das seis horas da manhã é ainda mais quieto. Uma, duas e três colheres cheias de pó preto. As bolhas estourando na superfície da água avisam que posso desligar o fogo e brincar de alquimista. Preparo devagar o café que vai me encher a boca com o sabor único que me leva ao melhor da minha infância no primeiro gole.

...

Ela continuava dormindo e por isso fui para a sala pensar, fumar, escrever. Comecei sem saber aonde iria e logo, entre um gole e outro, voltei aos tempos de menino e sorri.

Lembrei-me de quando conheci a menina dos olhos verdes. Acho que foi no primeiro ano do colégio. Era uma menina normal, não fossem seus olhos quase hipnóticos.

Como sempre fui curioso, olhava para os outros todo o tempo e quando a encontrava entre as outras crianças parava para flertar com seus olhos. Ela não me via, talvez até sentisse meu olhar, mas não me via. E, quando virava na minha direção eu pulava rápido e me endireitava na cadeira como se nada estivesse acontecendo.

No recreio, quando não estava correndo ou jogando bola no time dos lagartos que enfrentavam os cobras como um saco de batata enfrenta a luva de um boxeador, passava meu tempo sentado na arquibancada a beira do campo de futebol. Na minha frente crianças corriam sem destino, ao lado passavam grupos de todos os tipos. Ela sempre estava em um desses grupos e eu sempre olhava para ela com um olhar que transbordava carinho.

Poucas foram as vezes em que tive a chance de chegar um pouco mais perto daqueles olhos que tanto me encantavam. A vida seguiu em frente e me perdi em outros caminhos.

...

Procurei por muitos anos olhos verdes, doces e fundos como aqueles. Olhos verdes sempre me fascinaram. Mas não podia ser qualquer olho. Falo de olhos que contém doses profundas de olhares doces.

Minha paixão por algumas das pessoas que mais amei na vida começou com o olhar. Gosto de gente que olha de frente, que tenta me ver por dentro e que quando se dá conta já está dentro de mim.

Me convenci de que os olhos não mentem. Pessoas mentem. Pessoas abrem mão de viver o melhor da vida por medo, por insegurança, por traumas, por acreditarem que existe mais em algum outro lugar. Mas o olhar não mente. Ele sempre diz o que quer dizer, pede o que quer pedir, ama o que quer amar.

...

No rádio Cazuza canta que quer a sorte de um amor tranquilo, com gosto de fruta mordida. Ela levanta e vem me perguntar porque a acordei tão cedo. Peço desculpas, não queria acordá-la. Ela sorri apenas e me beija um bom dia com um leve carinho no meu cabelo. Retribuo com um sorriso e um olhar. Lindo dia pra você, minha doce fantasia de olhos verdes.



sexta-feira, 5 de julho de 2013

Questões de Menino



Por quê?

O menino perguntava a cada cinco minutos, como perguntam todos os meninos. Nada passava em branco sem que a pergunta se repetisse. A mãe, pacientemente respondia a todas as perguntas sem furtá-lo de nenhuma resposta. Quando a situação se invertia, algumas vezes ele economizava palavras dizendo apenas “porque sim”. Mal acabava a frase e ganhava um “porque sim não é resposta”. A mãe lhe dizia: se você não tem argumentos, você não tem razão.

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Tá chegando?

As viagens de carro com o irmão eram sempre longas, apesar de sempre esperadas com ansiedade. Entrar no carro e pegar a estrada era como sair pela porta da vida para conhecer outras vidas que ele ainda não conhecia. Mas ficar no carro, a caminho de qualquer destino, era uma tortura. O esperto motorista da família aprendeu a contar histórias para passar o tempo e ele adorou. Não eram histórias de contos de fadas, eram histórias sobre a vida real, sobre como ele dormia armado perto da caixa d’água no prédio onde morava e assim conseguia um lugar fresco e seguro, ou sobre como ele deu um tiro no pé de um cara que perguntou se ele tinha comprado coragem junto com a arma. Ele se divertia. Quando faltavam histórias, o motorista ligava o rádio para ouvir “A Vida como Ela é” e o menino torcia para que não tivesse chegando.

....


Papai Noel existe?

Todo Natal era a mesma coisa. A ansiedade tomava conta dos irmãos. Natal significava família e significava viagem para São Paulo para uma noite de alegria (até a primeira briga) com muitas histórias pra contar. Por volta da meia noite surgia sempre o Papai Noel que distribuía os presentes para as crianças. Todos olhavam muito desconfiados para ele e para o resto da sala para ver quem estava faltando entre os tios. Só que fantasia é fantasia e o prazer de estar do lado de um bom velhinho, que só faz bem as pessoas e que distribuí presentes e dá bons conselhos turvava a visão de todos. A pergunta era sempre a mesma: papai Noel existe? E ela era feita antes da ceia e no dia de Natal, diversas vezes. Sempre foi assim, até o menino tropeçar na sacola com as roupas do papai Noel que alguém deixou na escada da casa dos seus avós. Ele viu a máscara e todo o resto e preferiu não contar nada pra ninguém, os primos mais novos ainda teriam algumas noites de Natal pela frente.

....

Pra onde vão os mortos?

Ainda novo o menino perdeu sua avó amada. Ela era feita apenas de carinho e amor. Todas as vezes que ele e seu irmão chegavam a sua casa havia uma corrida para ver quem alcançava primeiro o seu colo. Ela ficava numa felicidade impressionante. Sempre havia pequenas surpresas esperando pelos dois. Fosse um doce de leite, fosse uma caixa de chocolate escondida na gaveta de luvas, fosse o que fosse. Sempre havia uma surpresa. Um dia, depois de algum tempo de agonia, a mãe do menino contou que a avó havia morrido. O menino entristeceu genuinamente. Não chorou de imediato. Ficou perplexo se perguntando o que aconteceria. Não haveria mais o seu carinho? Não haveria mais o seu amor? Não haveria mais as surpresas de sempre? E a mãe, ainda sofrendo a perda da mãe explicava que ela estaria sempre por perto, cuidando de todos. E ele não entendia e queria saber: para onde vão os mortos?

....

Palhaço chora?


O fascínio do circo sempre foi o maior fascínio do menino. No circo, a vida se apresenta de várias formas. Animais são domados da mesma forma que os problemas devem ser. Malabares voam alto e permanecem sob controle da mesma forma que as responsabilidades são. Os equilibristas saltam rumo ao vazio com a mesma coragem necessária para viver e os palhaços arrancam emoções e sorrisos únicos, como só os amigos também fazem. Uma vez, em um circo em que os palhaços eram a maior atração, ele riu tanto, mas tanto, mas tanto, que ao final, quase sem fôlego, imaginou como seria a vida só de sorrisos e perguntou: mamãe, palhaço chora?



quinta-feira, 4 de julho de 2013

O Olhar é Nosso

O olhar é nosso.
É seu porque é você que está me olhando
E é meu porque eu sei que está ali, o olhar.

O olhar é nosso.
É nosso, olhar o nosso olhar.
É nosso, o olhar.

O olhar é nosso.
Não adianta olhar sozinho, eu não enxergo
O que eu vejo é nosso olhar, mas só não vejo.

O olhar é nosso.
Se não quiser, feche seus olhos.
O olhar só existe por que é nosso.
O nosso olhar.


Às vezes


Às vezes eu não sei o que dizer.
Às vezes nem sinto prazer.
Às vezes sofro à toa.
Às vezes fico na boa.
Às vezes perco o juízo
Às vezes nem penso nisso
Às vezes falo demais
Às vezes fico na paz
Às vezes nada é vaidade
Às vezes banalidades
Às vezes sinto vontade
Às vezes basta a saudade
Às vezes lembro da gente
Às vezes, frequentemente.


Desculpas

Desculpe se nunca mais procurei você. Sei que prometi que seríamos amigos e que nossas vidas seguiriam rumos diferentes, mas próximos. Lembro-me de ter dito que na vida existe apenas a porta de entrada e não me lembro de tê-la fechado.

Não vou inventar desculpas, por mais vontade que eu tenha.

É que chegou o inverno. É que mercúrio está retrógrado. É que não tenho tido tempo. É que achei que você preferia assim. É que...

Dessa vez é por mim mesmo. Estou olhando para frente e descobri que preciso trocar meus óculos. Passei tanto tempo na vida olhando o retrovisor que por várias vezes acabei me perdendo no caminho à frente. Não fiz a curva. Não virei onde devia. Não prestei atenção no sinal vermelho. Olhar para frente é um exercício novo e diferente, pelo menos para mim.

Minha busca por mim mesmo é tão primária que tenho que começar do começo, lá atrás. Tenho que lembrar das coisas que me davam prazer, só a mim. Prazeres solitários ou não, que me trouxeram até aqui. Lembro sempre dos outros e do tanto que eles fizeram por mim. Lembro-me do carinho dos meus avós, dos meus pais, do meu irmão e de tantos amigos e amores. Mas lembro-me pouco dos meus momentos meus de verdade.

Talvez criança o melhor momento fosse o banho de banheira. Ainda pequeno, adorava ficar com o corpo imerso na água quente e fantasiar sozinho o que eu quisesse. Gostava de afundar o rosto e ficar com meus ouvidos atentos aos sons amplificados e incompreensíveis que circulavam naquela água. Imaginava estar ouvindo vozes, imaginava diálogos. Imaginava que toda a água do mundo se conectava de algum jeito e que por isso não conseguia distinguir o que estava ouvindo.

Andar de bicicleta pela praia era outro momento meu. Acordava mais cedo, descia sozinho e percorria a orla inteira apenas para estar perto da areia e do mar e para ver as pessoas passarem, cada uma com sua razão de ser e de viver, cada uma levando seu próprio mundo para passear.

Mais tarde, a poesia veio ser minha grande companheira. Escrevia por horas e horas. Não buscava rimas nem forma. Buscava apenas estabelecer um contato verdadeiro com uma folha de papel. Acabava e lia. Primeiro em voz baixa, depois em voz alta. Lia me perguntando se eu havia conseguido colocar meus sentimentos na forma de letras e palavras desenhadas em sequencia por uma caneta qualquer. Se o sentimento em forma de poesia tivesse origem em alguém, aquele papel não ficaria comigo. Se meu tema fossem minhas fantasias, minhas expectativas, frustrações, sonhos ou delírios então as guardaria junto com as demais em uma imensa pilha de papéis que ainda guardo comigo.

Até hoje tenho certo receio em reler meus escritos. Toda vez que faço isso acabo mudando uma letra, uma palavra, um verso e, eventualmente, um sentimento. Os deixo guardados para quem sabe um dia lhes fazer uma visita maior.

Não é o que escrevo que me importa. É o que leio das coisas que escrevo.

Há também os momentos de fé. Momentos em que busquei Deus de várias formas, em vários lugares até encontra-lo dentro de mim e ficar em paz com isso.

Há a música. Melodias que me tocam como vento batendo no rosto. Harmonias que me harmonizam. Não há apenas uma música, há uma trilha sonora inteira me acompanhando por toda a minha existência.

Há a alquimia da cozinha. O prazer único de misturar ingredientes e transformar com a ajuda do fogo a matéria orgânica em fonte de energia.

Há o desenho, a pintura e o prazer sensual de deslizar pincéis em telas brancas preenchendo cada pedacinho com gotas de fantasia.

Há o prazer de ser pai, que é só meu. Talvez o mais egoísta dos meus sentimentos: o orgulho de ver uma vida acontecendo. Orgulho do caráter formado. Orgulho das emoções sentidas. Orgulho dos valores compartilhados.

Nada disso está no retrovisor. Nele apenas o passado que não volta.

Desculpe se nunca mais procurei você. Talvez até achasse, mas de que valeria achar você sem me encontrar?

Fica a sensação de que inteiro posso mais. Inteiro, consigo paz. Fica a certeza de que não serei inteiro sozinho. Sei que ainda falta, pelo menos, a metade de mim. E se o que eu tenho é tão grande, se minha metade é tão enorme, então preciso achar um jeito de não errar de novo. O tamanho do que tenho para dar e para viver é do tamanho do risco de errar. O risco vale a pena sim e é melhor do que a falta.


Desculpe, minha amada fantasia, se nunca mais procurei você. Um dia a gente se vê.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Eu quero voar também

No imaginário do menino cabe de tudo, muito. Ele acorda feliz imaginando que há um pássaro na janela cantando só para ele. Olha o dia clareando imaginando o voo de cada raio de sol como se fossem fadas descortinando o horizonte. Ele ouve o silêncio imaginando que talvez haja lá algum recado para ele. Toma seu banho de olhos fechados e deixa a água bater nas pálpebras apenas para se imaginar em uma cachoeira. E segue seu dia com devaneios de fantasia que o fazem sorrir sem que os outros entendam a razão.

Por entre as suas fantasias preferidas está o circo. Não o circo de hoje com nomes difíceis e efeitos eletrônicos. O circo que ele adora fantasiar é o circo da sua infância, montado em lona e madeira, com direito a mestre de cerimônias e picadeiro. Muitas vezes ele torce para dormir e sonhar com esse circo.

...

- Boa noite meu filho, sonhe com os anjos!
- Boa noite mamãe, mas eu prefiro sonhar com o circo...
- Combinado, mas então dorme com os anjos menino...

...

- Respeitável público! O Grande Circo Fantasia tem o enorme prazer de apresentar a família Tommasini. Diretamente da Itália para o nosso picadeiro, eles vão subir em plataformas de dez metros de altura e se lançar no ar, de um trapézio para o outro, sem nenhuma proteção. Por favor, façam silêncio e aproveitem o show.

A família tinha cinco membros. O pai e a mãe, um tio e um casal de filhos. Mas quem chamou mesmo a atenção do menino foi a filha. Era como se o holofote do circo estivesse iluminando apenas ela, vestida com uma espécie de roupa de ginástica combinada com uma de bailarina, a pequena menina agradecia os aplausos e começava a escalar o mastro que sustentava a lona principal da grande tenda.

Aos poucos, ela foi ficando ainda menor, aos olhos do menino aflito que sentado cada vez mais à beira do seu assento. O mestre de cerimônias pediu silêncio novamente. Tambores rufaram, como só rufam os tambores de circo, criando um clima de suspense e expectativa no ar. O pai lançou-se no ar com a coragem de um animal selvagem e ficou preso apenas pelas mãos em um trapézio que fazia o menino lembrar do balanço de sua praça. Do outro lado o tio prendeu-se pelas pernas em outro trapézio e foi dançar no mesmo ar que seu irmão querido. O pai tomava impulso, o tio estendia as mãos e num momento mágico o pai soltou seu trapézio para flutuar de encontro às mãos seguras de seu irmão. O silêncio ensurdecedor foi quebrado por um suspiro coletivo de alívio. Com outro impulso o pai alcançou a plataforma e foi aplaudido com emoção por todos.

Em seguida o filho seguiu os braços do pai e realizou alguns movimentos de ballet em pleno ar, sem que o menino prestasse a menor atenção.

A mãe preparava a filha para sua participação. Deu m beijo carinhoso e assumiu a mesma posição do tio. Presa pelas pernas, jogou-se no ar e tomou impulso, até que ao passar pela plataforma pela quarta vez segurou a filha pelos braços estendidos e a levou para o passeio mágico. Cessaram as respirações. O menino sentia seu coração batendo mais alto e mais forte que os tambores do início. De um salto a menina lançou-se para o alto, quase tocando a lona, deu duas cambalhotas em torno dela mesma e voltou aos braços da mãe. O menino percebeu que ela sorria. Logo em seguida, com mais duas ou três idas e vindas a menina jogou-se na direção do tio orgulhoso da proeza. Na saída, ela ainda deu mais uma cambalhota e uma pirueta mágica para cair de pé na plataforma, ao lado do seu pai! O circo vibrou e aplaudiu a cena mágica, como que agradecendo pelo fim da agonia que só os trapezistas conseguem provocar.


O coração do menino, no entanto, continuava batendo forte. Seus olhos não desviavam um só segundo da menina voadora. E ele pensava: - quero voar também!

terça-feira, 2 de julho de 2013

Nuit Blanche - Arev Manoukian

Em imagens....

Eu não sabia que existia gente assim.


- Você é diferente!
- Como assim!?
- Você fala o que pensa, sem se preocupar, sem censura. Você se expõe de uma forma que eu não vejo outras pessoas fazerem. Você não tem preconceitos e diz suas verdades, sem medir o que está dizendo.
- E o que é que tem de diferente nisso?

O menino não entende quando alguém diz que ele é diferente. As pessoas que olham de longe o chamam de grosso, de arrogante, de pretencioso, metido e por aí vai. É comum uma pessoa avisar para a outra: “cuidado com o menino, ele não tem limites”. O menino não entende.

Um dia ele parou para conversar, queria saber o que havia de tão diferente na forma dele falar as coisas, no jeito que ele escolheu para se relacionar com as pessoas e tudo o que ele ouviu foram coisas como: “as pessoas não são assim”. Claro que são, ele pensou, apenas não botam para fora as coisas que pensam e sentem porque não sabem que todo mundo é assim. Não tenho nada de diferente, resmungou.

Mas você se apaixona como quem troca de roupa, acusou um. – Eu? De jeito nenhum. Me apaixono quando percebo a possibilidade de estar com alguém que mexe comigo e quando acredito que vou ficar com esse alguém até a minha velhice, explicou.

O menino acredita que quando está sozinho abre-se um imenso vazio nele. Um vazio que precisa ser preenchido com duas coisas fundamentais: valores e emoções. Se forem apenas emoções o buraco fica só disfarçado. Se forem apenas valores, fica parecendo casa sem reboco. Só os dois juntos são capazes de preencher o vazio.

Para ele, conhecer uma pessoa implica em conhecer seu caráter e valores, e isso passa por conhecer sua relação com a família, com os amigos e com o mundo. Os valores não estão no que é dito, mas nas ações do dia a dia. Mesmo que seja na forma de falar com um garçom, de se dirigir ao porteiro, de tratar os amigos. Em cada pequena atitude as pessoas se revelam como são. Não é que ele observe tudo o tempo todo, mas não dá pra passar batido por uma pequena grosseria como a falta de um “por favor” ou de um “obrigado”. Tudo isso mostra quem a pessoa é e quais são seus valores.

E o menino não entende o que tanto repetem para ele. “As pessoas não são assim!”

Eu sou assim. Aprendi a ser assim. Aprendi que os valores, o caráter e a emoção são o que dão sentido a vida. Aprendi que ser honesto, não mentir, falar o que sente é que é importante e não o contrário, repetiu mais uma vez para ouvir uma pergunta que dói nele: - Então por que você está sozinho?

Pensou, pensou e pensou para responder sem colocar nos outros a responsabilidade dele. Estou sozinho porque sou honesto comigo e com o que eu sinto. Estou sozinho porque as pessoas que eu amei de verdade escolheram outros caminhos e porque deixei de acreditar nas pessoas que eu queria ter amado demais. Estou sozinho porque se não estiver cem por cento com alguém não existe razão para estar com ela. Estou sozinho para poder acreditar que ainda vou encontrar (ou reencontrar) uma pessoa que pense como eu.

- Como assim? Você tem um modelo de pessoa?

Não. Mas tenho parâmetros muito bem definidos daquilo que eu quero e daquilo que eu não quero. A pessoa precisa antes de mais nada saber trocar comigo. Não basta que apenas eu ou ela sejamos capazes de entender e preencher o tal vazio no peito do outro. A pessoa certa preenche e é preenchida da mesma maneira. Ela precisa ser linda, mas linda para mim. Não precisa ser nenhuma modelo com medidas perfeitas, mas precisa ser linda no olhar, precisa ser linda no carinho, linda no sorrir. Precisa saber ser forte e saber ser fraca. Ela precisa estar do meu lado quando eu me sentir ainda mais menino e precisa estar no meu colo quando se sentir mais menina. Precisa entender que tudo tem uma razão de ser e saber a hora de falar e de calar e também de ouvir e se fazer ouvir. Precisa ser verdadeira com ela, não comigo... isso é consequência. Ela precisa acreditar no que faz e no que fala, no que escolhe e no que dispensa. Ela precisa ser romântica e aceitar que eu seja também. Precisa estar comigo muito mais pelo beijo e pelo abraço do que pelas noites de sexo, mas precisa também ser e me deixar ser cúmplice na cama. Precisa perceber pequenas coisas, como um passarinho na janela e dar a ele o valor que ele tem.

- Essa mulher não existe!

- Então eu também não existo.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Menino é menino. Moleque é moleque.

Há uma diferença entre ser menino e ser moleque. Tem gente que acha que não tem, mas tem. E é grande.

O menino era dado a paixões. Amar é uma prioridade sempre. Logo cedo ele ouviu de uma tia que a vida sem amor é uma m... Ele acreditou e passou a vida inteira buscando a quem amar. Apaixonou-se muitas vezes, ao ponto em que as pessoas não acreditavam que ele estivesse realmente apaixonado. Eram comuns as brincadeiras, gente que perguntava: - E aí? Amando? Apaixonado por quem agora? Qual o nome da vítima? E assim por diante. Aquilo machucou o menino enquanto ele foi menino. Depois parou de se importar. Ele e a pessoa por quem ele estava apaixonado sempre sabiam que ele acreditava que era amor de verdade. Mesmo que durasse pouco.

O tempo, na vida sentimental do menino, sempre correu diferente. O tempo existia enquanto ele acreditasse no sentimento e deixava de existir no momento em que ele deixava de acreditar. O infinito que Vinicius falava era muito natural para ele. Os de fora nada entendiam. Como é que pode ele namorar desse jeito? E ele virava tema de conversas, alvo de críticas e modelo do que não fazer. No fundo aquilo incomodava um pouco ele, mas ele era o que ele era, nem mais nem menos.

Um dia, ele se viu novamente sem amar e cercado de pessoas interessadas ou curiosas em estar com ele, em experimentar ele. Que sensação estranha. Era quase como se ele fosse uma marca de biscoito novo no supermercado à disposição de quem quisesse provar. Ávido por amar e, antes, por ser amado, ele quase se entregou e quase começou algumas histórias de paixão. Mas naquele dia ele resolveu pensar um pouco mais.

- Por que eu deveria repetir padrões que nunca me levaram a lugar nenhum?

Olhou pra trás e contou nos dedos das mãos as pessoas que ele realmente amou. Amou pra valer, com direito a olhares cegos de paixão, com direito a passeio de mãos dadas, a café na cama, a noites em claro conversando, a viagens inesperadas, a surpresas, a carinhos imensos de tão pequenos, a sintonia de um pensar e o outro falar. Concluiu que apesar de ter se apaixonado muito, ele amou pouco.

A carência e a certeza de que um dia ele ainda vai encontrar a paz no amor sempre o empurraram para novas tentativas. E assim, por querer acreditar, ele acreditava e logo se via perdido naquilo que não era amor, apesar de parecer muito com ele.

Se deu conta que só ele era capaz de mudar esse círculo vicioso. Que havia um padrão de comportamento que ele seguia e que o levava sempre aos mesmos lugares, com o mesmo gosto amargo no final de cada história.

As pessoas não vão acreditar em você. Pensou ele com ele mesmo. Até sua melhor amiga é capaz de dizer que você não aguenta mais do que duas semanas sozinho. Quer saber... tanto melhor. Não preciso mesmo explicar nada para ninguém. Não estou devendo nada a ninguém. Saí de uma relação linda com uma pessoa linda e não vou parar de acreditar nos valores que sempre acreditei só porque não deu certo.


E seguiu pensando, mesmo sem saber como lidar com sua expectativa de menino de que o amor sempre encontra seu caminho.