quarta-feira, 3 de julho de 2013

Eu quero voar também

No imaginário do menino cabe de tudo, muito. Ele acorda feliz imaginando que há um pássaro na janela cantando só para ele. Olha o dia clareando imaginando o voo de cada raio de sol como se fossem fadas descortinando o horizonte. Ele ouve o silêncio imaginando que talvez haja lá algum recado para ele. Toma seu banho de olhos fechados e deixa a água bater nas pálpebras apenas para se imaginar em uma cachoeira. E segue seu dia com devaneios de fantasia que o fazem sorrir sem que os outros entendam a razão.

Por entre as suas fantasias preferidas está o circo. Não o circo de hoje com nomes difíceis e efeitos eletrônicos. O circo que ele adora fantasiar é o circo da sua infância, montado em lona e madeira, com direito a mestre de cerimônias e picadeiro. Muitas vezes ele torce para dormir e sonhar com esse circo.

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- Boa noite meu filho, sonhe com os anjos!
- Boa noite mamãe, mas eu prefiro sonhar com o circo...
- Combinado, mas então dorme com os anjos menino...

...

- Respeitável público! O Grande Circo Fantasia tem o enorme prazer de apresentar a família Tommasini. Diretamente da Itália para o nosso picadeiro, eles vão subir em plataformas de dez metros de altura e se lançar no ar, de um trapézio para o outro, sem nenhuma proteção. Por favor, façam silêncio e aproveitem o show.

A família tinha cinco membros. O pai e a mãe, um tio e um casal de filhos. Mas quem chamou mesmo a atenção do menino foi a filha. Era como se o holofote do circo estivesse iluminando apenas ela, vestida com uma espécie de roupa de ginástica combinada com uma de bailarina, a pequena menina agradecia os aplausos e começava a escalar o mastro que sustentava a lona principal da grande tenda.

Aos poucos, ela foi ficando ainda menor, aos olhos do menino aflito que sentado cada vez mais à beira do seu assento. O mestre de cerimônias pediu silêncio novamente. Tambores rufaram, como só rufam os tambores de circo, criando um clima de suspense e expectativa no ar. O pai lançou-se no ar com a coragem de um animal selvagem e ficou preso apenas pelas mãos em um trapézio que fazia o menino lembrar do balanço de sua praça. Do outro lado o tio prendeu-se pelas pernas em outro trapézio e foi dançar no mesmo ar que seu irmão querido. O pai tomava impulso, o tio estendia as mãos e num momento mágico o pai soltou seu trapézio para flutuar de encontro às mãos seguras de seu irmão. O silêncio ensurdecedor foi quebrado por um suspiro coletivo de alívio. Com outro impulso o pai alcançou a plataforma e foi aplaudido com emoção por todos.

Em seguida o filho seguiu os braços do pai e realizou alguns movimentos de ballet em pleno ar, sem que o menino prestasse a menor atenção.

A mãe preparava a filha para sua participação. Deu m beijo carinhoso e assumiu a mesma posição do tio. Presa pelas pernas, jogou-se no ar e tomou impulso, até que ao passar pela plataforma pela quarta vez segurou a filha pelos braços estendidos e a levou para o passeio mágico. Cessaram as respirações. O menino sentia seu coração batendo mais alto e mais forte que os tambores do início. De um salto a menina lançou-se para o alto, quase tocando a lona, deu duas cambalhotas em torno dela mesma e voltou aos braços da mãe. O menino percebeu que ela sorria. Logo em seguida, com mais duas ou três idas e vindas a menina jogou-se na direção do tio orgulhoso da proeza. Na saída, ela ainda deu mais uma cambalhota e uma pirueta mágica para cair de pé na plataforma, ao lado do seu pai! O circo vibrou e aplaudiu a cena mágica, como que agradecendo pelo fim da agonia que só os trapezistas conseguem provocar.


O coração do menino, no entanto, continuava batendo forte. Seus olhos não desviavam um só segundo da menina voadora. E ele pensava: - quero voar também!

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