segunda-feira, 8 de julho de 2013

Na realidade, sonhos não existem.

- E se os seus sonhos se tornassem realidade? Como você lidaria com isso?

Era uma pergunta que ele não havia feito a si mesmo e não tinha resposta. Pensava e pensava e não sabia se conseguiria lidar com os sonhos transformados em realidade. A realidade é bem mais dura. - Se meus sonhos se tornassem realidade eu não ia mais poder esconder a parte difícil, e teria que aprender a conviver com o pacote todo, era a primeira coisa que vinha na cabeça dele.

- Bom, suspirou e se preparou para responder acendendo um cigarro. Primeiro acho que são duas coisas completamente diferentes: o sonho e a realidade.

Sonhos são as formas que a gente escolhe dar para o impossível. A gente sonha com coisas grandes, nunca com as pequenas. Sonhos são feitos grandes porque neles cabe tudo. Então, a primeira coisa é entender o que são meus sonhos.

Sonho com um momento mágico. Um encontro onde o resto do mundo vira cenário e moldura e, o tempo para. Nesse momento, só eu e ela existimos. Nesse momento a trilha sonora cresce, as vozes ao fundo viram ruídos e a luz vira um foco sobre ela e sobre mim. Dois segundos da mais perfeita sintonia tornam-se minutos, horas, dias. Dois segundos de encontro mágico viram um momento que será guardado para sempre na minha memória de menino. Falta me o ar. Não pensei no que dizer. Não sei como lidar, nem como tratar. Não sei se é a hora de um abraço apertado e dentro dele lágrimas de felicidade. Não sei se é a hora de um beijo grande e cheio de paixão e desejo.

Sonho que nesse momento passe ao lado um vendedor de flores do campo e que eu possa escolher o mais bonito buquê e que ela se emocione e se lembre dos mais bonitos buquês que já dei antes. Sonho com seu sorriso largo e com a sua gargalhada feliz. Sonho com seus olhos brilhando e refletindo sua ternura e carinho.

Sonho em segurar sua mão e convidá-la para andar pela praia. Não pela calçada, mas pela areia pertinho do mar que virá gentilmente acariciar nossos pés. Sonho que de mãos dadas possamos falar do tempo perdido. Sonho em acertar o passo para que juntos marquemos a areia com os pés direito e esquerdo simultaneamente. Sonho que esse passeio seja iluminado pela lua cheia e por estrelas curiosas.

Sonho que depois de andar e falar sejamos capazes de sentar e ouvir o mar. Sonho que o mar cante para nós e que nossos corpos estejam tão perto que nos sintamos um. Sonho que tudo isso seja divertido e leve, que não haja choro, que não haja mágoa, não haja culpa nem passado. Sonho que haja apenas o momento mágico. E sonho que os dois saibam aproveitar esse momento com uma alegria única e visceral.

- Conheço seus sonhos. Não é disso que estou falando. Perguntei como você lidaria com eles se eles se tornassem realidade.

- Eu sei, eu sei... vou chegar lá.

Na realidade o encontro pode acontecer por acaso. Um show, uma roda de samba, um bar, qualquer coisa. Na realidade as coisas acontecem quando (e se) tem que acontecer, acontecessem. Se eu a encontrasse talvez nem falasse com ela, talvez apenas fugisse sem dizer nem um: - Oi, como vai você?

Na realidade teria muito medo. Teria medo de encontrar uma pessoa ofendida pelos meus excessos do passado. Teria medo de não poder abraça-la com carinho e nem de perguntar se está tudo bem. Na realidade, meu momento mágico talvez não fosse nada mágico. Talvez fosse um encontro de um ou dois minutos, fosse por ela estar com outras pessoas, outros grupos, outro amor ou fosse apenas por eu saber que a mágica é bem mais rara na realidade.

Na realidade, se o encontro fosse bom e pudéssemos nos abraçar e matar a saudade imensa, eu perguntaria se nós poderíamos sair de onde estivéssemos para ficar um pouco sozinho com ela. Na realidade sei que as lembranças e medos voltariam rápidos e talvez ela me dissesse apenas: - É melhor não. E fosse embora.

Na realidade, se ela não fosse embora e concordasse em sair de onde estivéssemos, tomaríamos o rumo da praia ou de qualquer lugar e andaríamos quietos por um tempo até que os dois quisessem falar ao mesmo tempo. As primeiras perguntas seriam sobre os outros, como está ele, ela, fulano, sicrano, e sua mãe como está? Na realidade os dois se comportariam como dois amigos que não se veem há muito tempo. E talvez ela dissesse: - Melhor voltar, eles estão me esperando.

Na realidade, se ela não dissesse que era melhor voltar, talvez sentassem juntos num banco a beira mar e talvez a primeira palavra que eu diria sobre nós dois seria “saudades”. Talvez as saudades me trouxessem lágrimas aos olhos e talvez ela percebesse e até tentasse enxugar meu rosto dizendo que fico engraçado quando choro. Na realidade, eu mesmo secaria meus olhos e diria que sou um menino bobo para em seguida perguntar: - Você está feliz? E talvez ela me dissesse que sim, mesmo sem estar, e talvez ela me dissesse que não e começasse a falar. Talvez ela escolhesse devolver a pergunta e eu fosse obrigado a confessar que estou feliz. Na realidade eu diria que não posso deixar de ser feliz, falasse da minha filha, meu trabalho, meus amigos, minha vida e minhas escolhas. Talvez eu só dissesse sim e talvez nessa hora o telefone dela tocasse e ela levantasse para atender.

Na realidade, se o telefone não tocasse ou se ela apenas escolhesse ignorar o telefone, a conversa seguiria branda e talvez eu procurasse uma forma de dizer a ela que hoje a única coisa que desejo de verdade é saber que ela está feliz. Na realidade, sei que ela acreditaria em mim, mas sei que ela teria medo de falar demais, teria cuidado para não me machucar e evitaria me dizer o mesmo. Assim, talvez um rasgo de realidade maior passasse por perto e desviasse nossa atenção para que pudéssemos evitar um clima desnecessário.

Na realidade, se não houvesse algo que nos distraísse talvez continuássemos conversando e eu confessasse que tentei outras vezes amar. E contasse que o amor não tem medida nem é comparável, que ele existe de várias formas, que ele é real, mas nem sempre é pra sempre. Na realidade diria ter aprendido com outras pessoas que o convívio nunca é simples, diria ter superado crises e tido momentos únicos. Talvez, na realidade, eu começasse a comparar o incomparável, mesmo sem querer, falando sobre o que tivemos e sobre o que eu tive depois. Na realidade, talvez me desse conta que não faz sentido falar do resto e me desculpasse dizendo que aquilo era só uma forma de dizer que não morri depois de nós.

Na realidade, talvez conseguíssemos ser leves e levar a conversa leve, cheia de piadas e histórias que nos fizessem rir. Talvez bebêssemos uma cerveja, brindássemos e falássemos de um ou de outro, daquele dia assim ou assado, daquele amigo, daquela música, daquele show, daquela viagem, daquele momento. E sempre rindo pudéssemos nos dar conta de que não é o peso da ausência, mas a força da presença que move esse encontro. Na realidade, talvez o bem estar juntos nos fizesse bem à alma. Talvez perdêssemos a noção da hora e quando nos déssemos conta o sol já estivesse para nascer. Na realidade, talvez não houvesse entrelaçar de mãos, olhares mais profundos, vontades mais confessas. Na realidade talvez ficássemos em silêncio apenas na hora do sol nascer e, possivelmente, nos levantaríamos juntos e começaríamos a aplaudir o dia.


Na realidade, os sonhos não existem. E, na realidade não sei o que faria com eles.

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