A necessidade de ser amado é uma demanda complicada. O menino sofre
disso. O propósito da vida do menino é ser amado. Coisa doida. Mas é assim.
Claro que antes de ser amado, ele precisa amar. Amar como verso de poesia, amar
como letra de música, amar como cena de filme. Não dá para ele simplesmente
encontrar alguém, se afeiçoar e depois ir construindo um amor. Isso não é dele.
Ele não aprendeu a ser assim.
Uma vez o menino sonhou com seu futuro. E começou sorrindo.
No sonho, o menino tinha construído uma família. Estava casado e tinha
uma filha linda. Vivia feliz e tranquilo, apesar de algumas brigas que quase
acordavam o menino. No sonho, o menino contemplava sua filha como o maior
tesouro da sua vida e olhava sua mulher cheio de carinho.
A mulher parecia ser a mulher certa. Ele olhava e olhava e, mesmo não
sentindo mais a paixão dos primeiros dias, sentia amor. Um contrassenso para ele mesmo que vivia movido à
emoção. Eles já tinham convivido tempo demais e se conheciam bem demais. Eles
eram cúmplices de uma vida e cúmplices da sua filha. Ele se sentia calmamente
feliz ao lado daquela mulher que lhe parecia tão parte dele mesmo.
O sonho continuou e as brigas começaram a ganhar mais peso. Os dois
começaram a discutir com mais força e ambos se pegavam caminhando para direções
opostas. A cada discussão,a vida dos dois ganhava um rumo diferente. Entravam,
sem saber como, em ondas diferentes e tudo parecia ficar mais lento e pesado. As
brigas não se resolviam, viravam marcas de um relacionamento tenso. E ambos
optavam por passar por cima das divergências para ficarem próximos à
filha, seguindo cúmplices mesmo que machucados.
A cada nova marca, a questão sobre a paixão e a necessidade de ser
amado e de amar, crescia mais e mais. Era doloroso para ele, e certamente
também para ela, seguirem discutindo e buscando a razão na altura da voz. Ela dizia:
- O problema é que você argumenta muito bem e ele dizia: - O problema é que
você não me ouve e nem me entende. E a filha não dizia nada, mas ouvia a tudo
com a dor da impotência.
As brigas e marcas continuaram crescendo. O tom de voz continuou
subindo. Até que o sonho virou um pesadelo do qual tudo o que se quer é
acordar. E foi no pesadelo que encontraram outra forma de se relacionar. Resolveram
buscar seus próprios caminhos, mas só depois de tentaram de tudo para voltar ao
sonho. Tentaram e não funcionou. Buscaram a separação, um do outro e buscaram a
não separação da filha tão amada.
Cessaram as brigas e as marcas, mas a distância do menino para a filha
aumentou. Eles já não moravam juntos, não compartilhavam de momentos íntimos,
não tomavam café da manhã na mesma mesa nem conversavam até o sono transformar palavras em reticencias. O convívio diminuiu, como era normal que acontecesse,
porque também a menina crescia e buscava sua própria vida, seus próprios
caminhos, seus próprios sonhos.
O menino seguiu um caminho solitário, separado não apenas da mulher que
lhe deu a filha, mas também da filha que lhe deu a vida. E essa separação doía.
Ele buscava o equilíbrio, dava espaço e eventualmente buscava conquistar o seu
espaço também. Tentou de várias maneiras chegar mais perto da filha. Tentou ser
duro, tentou ser mole, tentou ser generoso, tentou não ser. Nada parecia
funcionar da forma que ele esperava. E, quando se deu conta, começou a brigar
com a própria filha em busca de amor. Dessas brigas surgiram marcas. E logo nas
primeiras marcas ele decidiu que não queria viver daquela forma. Não queria
marcar, não queria machucar e não queria se arrepender do que dizia.
O menino parou para pensar e entendeu que não poderia criar
expectativas nem mesmo sobre a sua filha, tão querida e tão amada. E antes que
o sonho ,que já havia virado pesadelo e voltado a ser sonho, se transformasse
novamente em pesadelo, ele escolheu acordar.
E acordou chorando. Sentindo que seria ainda mais menino no seu futuro
do que havia sido antes de sonhar.
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