segunda-feira, 29 de julho de 2013

Futuro do Presente

A necessidade de ser amado é uma demanda complicada. O menino sofre disso. O propósito da vida do menino é ser amado. Coisa doida. Mas é assim. Claro que antes de ser amado, ele precisa amar. Amar como verso de poesia, amar como letra de música, amar como cena de filme. Não dá para ele simplesmente encontrar alguém, se afeiçoar e depois ir construindo um amor. Isso não é dele. Ele não aprendeu a ser assim.

Uma vez o menino sonhou com seu futuro. E começou sorrindo.

No sonho, o menino tinha construído uma família. Estava casado e tinha uma filha linda. Vivia feliz e tranquilo, apesar de algumas brigas que quase acordavam o menino. No sonho, o menino contemplava sua filha como o maior tesouro da sua vida e olhava sua mulher cheio de carinho.

A mulher parecia ser a mulher certa. Ele olhava e olhava e, mesmo não sentindo mais a paixão dos primeiros dias, sentia amor. Um contrassenso para ele mesmo que vivia movido à emoção. Eles já tinham convivido tempo demais e se conheciam bem demais. Eles eram cúmplices de uma vida e cúmplices da sua filha. Ele se sentia calmamente feliz ao lado daquela mulher que lhe parecia tão parte dele mesmo.

O sonho continuou e as brigas começaram a ganhar mais peso. Os dois começaram a discutir com mais força e ambos se pegavam caminhando para direções opostas. A cada discussão,a vida dos dois ganhava um rumo diferente. Entravam, sem saber como, em ondas diferentes e tudo parecia ficar mais lento e pesado. As brigas não se resolviam, viravam marcas de um relacionamento tenso. E ambos optavam por passar por cima das divergências para ficarem próximos à filha, seguindo cúmplices mesmo que machucados.

A cada nova marca, a questão sobre a paixão e a necessidade de ser amado e de amar, crescia mais e mais. Era doloroso para ele, e certamente também para ela, seguirem discutindo e buscando a razão na altura da voz. Ela dizia: - O problema é que você argumenta muito bem e ele dizia: - O problema é que você não me ouve e nem me entende. E a filha não dizia nada, mas ouvia a tudo com a dor da impotência.

As brigas e marcas continuaram crescendo. O tom de voz continuou subindo. Até que o sonho virou um pesadelo do qual tudo o que se quer é acordar. E foi no pesadelo que encontraram outra forma de se relacionar. Resolveram buscar seus próprios caminhos, mas só depois de tentaram de tudo para voltar ao sonho. Tentaram e não funcionou. Buscaram a separação, um do outro e buscaram a não separação da filha tão amada.

Cessaram as brigas e as marcas, mas a distância do menino para a filha aumentou. Eles já não moravam juntos, não compartilhavam de momentos íntimos, não tomavam café da manhã na mesma mesa nem conversavam até o sono transformar palavras em reticencias. O convívio diminuiu, como era normal que acontecesse, porque também a menina crescia e buscava sua própria vida, seus próprios caminhos, seus próprios sonhos.

O menino seguiu um caminho solitário, separado não apenas da mulher que lhe deu a filha, mas também da filha que lhe deu a vida. E essa separação doía. Ele buscava o equilíbrio, dava espaço e eventualmente buscava conquistar o seu espaço também. Tentou de várias maneiras chegar mais perto da filha. Tentou ser duro, tentou ser mole, tentou ser generoso, tentou não ser. Nada parecia funcionar da forma que ele esperava. E, quando se deu conta, começou a brigar com a própria filha em busca de amor. Dessas brigas surgiram marcas. E logo nas primeiras marcas ele decidiu que não queria viver daquela forma. Não queria marcar, não queria machucar e não queria se arrepender do que dizia.

O menino parou para pensar e entendeu que não poderia criar expectativas nem mesmo sobre a sua filha, tão querida e tão amada. E antes que o sonho ,que já havia virado pesadelo e voltado a ser sonho, se transformasse novamente em pesadelo, ele escolheu acordar.


E acordou chorando. Sentindo que seria ainda mais menino no seu futuro do que havia sido antes de sonhar.


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