- Não aguento esse tipo de gente!
Se tem uma coisa que o menino nunca entendeu foi a expressão “tipo de
gente”. O que será que isso quer dizer, pensava. Sua mãe mesmo, durante muito
tempo se referiu a algumas pessoas com a expressão. Mandava ele se afastar
daquele “tipo de gente”, dizia que esse “tipo de gente” não vale nada e por aí
vai. Ele apenas ouvia e começava imediatamente a imaginar quantos tipos de
gente existem.
Será que é como sangue? Gente tipo O positivo? Tipo A negativo? AB
positivo? Qual seria, exatamente, a diferença entre um e outro?
E o menino foi crescendo e logo aprendeu que era melhor conhecer todo “tipo
de gente” e formar sua própria opinião sobre o tema. Ainda menino, conheceu um
tipo de gente que adorava pegar no pé dele. Gente que frequentava o mesmo
ônibus escolar e que gostava de provocar até o limite máximo da sua angústia
infantil. O menino sofria. Naquele tempo isso não se chamava bullying,
chamava-se infância. E o menino foi vítima da maldade típica da infância
durante o tempo necessário para aprender a se defender.
Mais tarde, no colégio de padres em que estudou, conheceu outro tipo de
gente. Gente mais amiga, mais próxima, mais parecida com ele. Tinha gente padre
também, na maior parte: gente boa. Tinha gente professor, uns que ensinaram
muito outros que não vão aprender nunca. Tinha de tudo. O colégio era uma
miniatura do mundo que encontraria depois. Foi lá que ele teve que aprender a
lidar com gente. Foi lá que ele teve as maiores alegrias e as maiores tristezas
da sua adolescência. Foi lá que ele começou a descobrir que tipo de gente ele
era.
A faculdade veio junto com seu primeiro emprego. Ele estava decidido a
ser o tipo de gente que faz a diferença. Por isso se esforçava mais, se
entregava mais, tinha mais vontade de fazer bem feito do que as outras gentes.
Logo no início do seu estágio ele avisou que queria realmente trabalhar, ante
os olhares incrédulos dos profissionais já cansados dos filhinhos de papai, que
buscavam o estágio como matéria obrigatória da faculdade. Deram a ele algumas
tarefas, depois outras e depois mais algumas. E ele foi dando conta do que era
pedido, e com isso ganhava espaço e respeito. Logo, ele se tornava o tipo de
gente que valia a pena contratar. Era o que ele queria.
Na carreira encontrou gente de todo tipo. Ainda jovem e decidido a ser
o melhor que conseguisse, ele encontrou gente que não gostava dessa ideia. Gente
que sentia por ele todo tipo de sentimento inexplicável. Quem se destacava
levantava inveja, levantava inimizade, levantava poeira mesmo sem querer. E com
ele não foi diferente. Por conta desse tipo de gente, o menino não teve vida
fácil. Teve altos. Teve baixos. Mas não teve vida fácil. Seguiu, simplesmente
por não ser do tipo de gente que desiste.
Enquanto isso, seu coração mostrava-se pronto para procurar o tipo de
gente ideal. Gente que o fizesse sentir orgulho do tipo de gente que ele era. Conheceu
as mulheres mais interessantes do mundo. Apaixonou-se diversas vezes.
Entregou-se de corpo e de alma para algumas pessoas e seguiu acertando e errando,
por entre gente de todo tipo.
Certa vez encontrou uma menina que o amou menos do que ele a amava e
isso doeu. De outra vez encontrou uma que o amou mais do que ele o amava e isso
também não foi bom. Depois encontrou meninas dispostas a tentar e tentou. Encontrou
também as que queriam brincar e brincou. Muitas vezes ele sorriu, como sorriem
os meninos. Em algumas ele fugiu, com medo, como fogem os meninos. Em outras
ele chorou, como choram os meninos. Mas ele nunca parou, como não param os
meninos.
Talvez por tanto errar o menino decidiu buscar o tipo de gente que lhe
amasse sobre todas as coisas. Ser amado era para ele mais importante do que
amar. E, com isso aprendeu a seduzir, a cortejar, a estimular sonhos e desejos,
a criar fantasias, a preparar cenários mágicos e inesquecíveis. Ele precisava
ser eterno para todas as pessoas que passassem na sua vida. Menos, era nada.
O problema é que quando ele chegava ao ponto mais alto possível, lá
onde o carrinho da montanha russa para de subir e cria um frio súbito no
estômago antes de ganhar a velocidade e as curvas, ele fugia correndo. Havia, a
partir daquele momento, a chance de amar e amar não era pouco. Amar pressupunha
um talento inato, uma capacidade quase santa, um desprendimento total do qual
ele tinha muito medo. Percebeu assim que ele era do tipo de gente que tem medo
de amar.
E, ao perceber-se covarde, olhou para trás para ver o que tinha feito. Entre
todas as gentes que passaram por sua vida pensou em uma menina especial, um
tipo de gente que ele só havia visto uma vez. Chorou de saudades, lembrou-se
com carinho de tudo o que não viveu. E seguiu.
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