Sexta-feira à noite e o menino seguia seu ritual. Depois do jantar,
depois do café e depois que os pais já tinham ido para o seu quarto, ele seguia
para a cozinha. Reino da Araci, uma das personagens que fizeram dele o que ele
é hoje.
Havia uma grande bancada perto do fogão. Lá, ela quebrava os ovos e os
misturava com leite, farinha e fermento. Batia tudo junto, sempre da esquerda para
a direita. Usava uma colher de pau e mantinha o mesmo ritmo. Dizia que bolo era
assim, tinha que ser sempre na mesma velocidade e sempre para o mesmo lado: “senão
desanda”. Separou metade da massa e adicionou chocolate em pó. Tornou a mexer
até que ele estivesse no ponto. Untou a forma, despejou a parte branca primeiro
e por cima a parte com chocolate. Chamou o menino para passar uma faca por toda
a massa e explicou que aquilo daria o aspecto de mármore ao bolo de toda
semana.
Araci gostava de uma boa conversa. Contava sobre sua infância no
interior de Minas. Falava sobre as brincadeiras da sua época. Os banhos no
riacho. As festas do interior. O menino ouvia e imaginava, como se tivesse
participado de tudo aquilo. Araci era um exemplo para ele. Um exemplo diferente
do que via da cozinha para dentro de casa. A infância pobre não havia tirado
seu brilho. Vivia sorrindo, vivia de bom humor com tudo e com todos.
Um dia, o menino pediu que ela contasse uma história da sua terra. Ela começou,
ainda sem saber onde ia chegar, a falar das amizades de menina. Falava que havia
hora para tudo. Tinha hora de buscar água, de ajudar no café, de lavar e estender
a roupa para quarar, de tomar banho e de brincar. Era nessa hora que ela saía correndo
para encontrar os amigos no ribeirão.
O menino interrompeu para saber se ela explicaria o que era “quarar” e
o que era “ribeirão”. Ela riu alto e explicou.
O ponto de encontro era uma mangueira grande e bonita. A melhor sombra
que havia por perto e, no tempo certo, a gentil fornecedora das mangas mais
doces de que já se ouviu falar por aquelas bandas. No dia, que ela escolheu
como dia da história, os meninos e meninas se encontraram para brincar e logo
alguém disse: - Vamos brincar de roda!?! E todos se animaram.
“Sapo jururu. Na beira do rio. Quando sapo grita, ó maninha, é que tá
com frio...” foi a primeira que cataram dando as mãos e rodando para um lado
até começar outra parte “A mulher do sapo, também está lá dentro. Fazendo
rendinha, ó maninha, pro seu casamento.”
- Eu não gosto de sapo. Vamos cantar outra!?! E todos riram da menina
Araci. E logo começaram a sugerir outros temas, sem soltarem as mãos.
Alguém começou e todos seguiram... “Ciranda, cirandinha, vamos todos
cirandar, vamos dar a meia-volta, volta e meia vamos dar” e todos sorriam e
cantavam alto, girando, girando.
Mas e a história? Perguntou o menino. Araci riu e logo se viu obrigada
a inventar uma.
- É que naquele dia apareceu por lá um moço bonito montado a cavalo. Nós
ainda cantávamos e rodávamos quando ele surgiu do nada. Que susto. Quando vimos
o cavalo alazão dele demos um grito e saímos correndo e ele começou a rir,
apeando.
- Calma crianças. Só parei para ouvir vocês cantarem e tomar um pouco d’água.
- Moço, que susto!
E todos acabaram rindo e se aproximando do moço com cara de forasteiro.
Todo mundo queria fazer uma pergunta. De onde ele vinha. Para onde ia. Qual o
nome do cavalo. Quantos dias de viagem. Tinha visto um saci. Ia ficar ali aquele
dia.
E o moço ia respondendo as perguntas, uma a uma. Só a Araci é que não
tinha perguntado nada, mas também não perdia resposta alguma. Ela era um pouco
mais velha que os outros meninos e o moço era um pouco mais novo do que parecia
ser quando chegou.
- E você? Não tem pergunta para mim?
- Tenho, mas não sei se posso fazer...
- Ora, por que não? O que você quer saber?
Araci queria saber se ele tinha uma namorada, mas não perguntaria sobre
isso na frente de todos. Então teve que pensar rápido numa outra pergunta. Você
já almoçou? E todos riram. Mas ele não tinha almoçado e tinha fome. A pergunta
soou como um convite. E Araci foi caminhando com o moço em direção a sua casa,
com o cavalo levado pela rédea solta. Eram só dez minutos caminhando, mas o
tempo foi suficiente para começarem uma longa conversa. Descobriram que ele era
apenas três anos mais velho que ela. Ele contou que há muito já não brincava de
roda e que trabalhava desde cedo para ajudar a família. Parecia um moço
direito. E era.
Chegando a casa, Araci pediu que ele esperasse enquanto ia falar com a
mãe. Sabia que ela não negaria um prato de comida a quem quer que fosse. Dizia sempre
que água e pão não se deve negar a ninguém. Araci o chamou para entrar,
apresentou a mãe e explicou que o pai estava na lida, mas não demoraria.
O moço foi ficando. O pai chegou. Conversaram. Riram. Contaram histórias.
E o tempo passou fácil, até que a mãe a chamou na cozinha e disse: - Faça um
bolo para ele. Assim, ele não vai esquecer de você.
- Um bolo? Mas que tipo de bolo?
- Faça um bolo mármore, que mistura duas massas. Uma branca e outra de
chocolate. As massas sozinhas não tem tanta graça, mas juntas são lindas e
fazem de cada fatia um pedaço diferente.
E foi assim que o menino aprendeu porque ela gostava tanto de fazer
esse bolo. E até hoje se lembra dela com carinho por conta disso.
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