terça-feira, 27 de agosto de 2013

Grandes Amores


O menino queria descobrir como surgem os grandes amores. Era sua grande agonia. Queria encontrar a felicidade dividida em beijos que pudessem durar para sempre. Decidiu procurar alguém que soubesse mais sobre isso. Alguém que o ajudasse a descobrir, pelo menos, por onde começar.

...

De noite, deitado. Sua mãe começou com o tradicional “Era uma vez...” e ele não seguiu adiante. Seu pensamento voou longe e ele imaginou que era assim que surgiam os grandes amores. Lá pela quinta ou sexta página, ele interrompeu a mãe e perguntou: - Mamãe, quando será que começa a minha história? Quando será a minha vez de “Era uma vez...”? A mãe sorriu com o carinho terno das mães e disse: - Meu filho você não precisa de história para dormir, sua imaginação é maior e mais fértil do que a dos autores dos contos de fadas. Fique tranquilo, sua vez vai chegar na hora certa. Feche os olhos e viaje nos seus sonhos. É assim que começa.

E o menino sonhou, encontrou, descobriu, amou, entregou-se, viveu e acordou. E esqueceu.

O tempo passou e ele foi conversar com um amigo sobre sua busca. O amigo falou da música. Disse que os grandes amores sempre começam com uma trilha sonora. Perguntou se havia entre os discos da estante uma música que fosse para ele a trilha sonora do grande amor que ele procurava. Havia. Ligaram a vitrola e colocaram a faixa principal para tocar. O amigo disse: - Agora, feche os olhos, sinta a música e me diga em quem você pensa. Ele sentiu e disse.

- Pronto, você já tem seu grande amor. Agora é só lutar por ele.

E o menino lutou, buscou, conversou, confessou, pediu, recebeu, beijou e sentiu. E passou.

Menos menino, ele seguiu procurando. Seus poetas escreviam sobre os grandes amores nos livros que ele sorvia com prazer. Um falava sobre o sorriso e a flor. E ele começou a olhar atentamente para os sorrisos. Um dia encontrou um dos grandes, imenso, que expunha além dos dentes brancos, um brilho, um encanto e duas covinhas no rosto de uma menina. Achou que lá estava o grande amor. Foi logo comprar flores. Queria transformar a poesia na receita do grande amor. Fechou os olhos e sonhou.

E o menino seduziu, conquistou, viajou, sorriu, abraçou, presenteou. E se enganou.

Cansado de errar, mas nunca cansado de tentar, o menino seguiu na estrada da vida atento aos sinais. A vida foi se complicando. Ladeiras imensas diminuíam seus passos na subida e tiravam seu controle na descida. Colheu as flores que brotavam selvagens na beira da estrada, vibrou com elas por alguns instantes, mas logo descobriu que o grande amor não estava lá. Foi em frente.

Um dia seus olhos encontraram outros olhos. Ele tentou desviar. Não conseguiu. O olhar continha um mistério único. Sentia-se mergulhado em um sonho, ainda que acordado. As palavras entravam e saiam no meio da conversa e ele não conseguia parar de olhar. Tentava descobrir onde estava. Parecia enfeitiçado. Quis fechar seus olhos, mas não pode. Os outros olhos eram caleidoscópios de sentimentos e ele, fascinado, sentia seu coração bater cada vez mais forte. De repente descobriu: não eram os olhos, era o olhar.
Sorriu. Sentiu seus próprios olhos brilhando. Tomou fôlego e pediu: - Me conta uma história. E ela começou assim: “Era uma vez...”

E o menino chorou.



Nenhum comentário:

Postar um comentário