O menino queria descobrir como surgem os grandes amores. Era sua grande
agonia. Queria encontrar a felicidade dividida em beijos que pudessem durar
para sempre. Decidiu procurar alguém que soubesse mais sobre isso. Alguém que o
ajudasse a descobrir, pelo menos, por onde começar.
...
De noite, deitado. Sua mãe começou com o tradicional “Era uma vez...” e
ele não seguiu adiante. Seu pensamento voou longe e ele imaginou que era assim
que surgiam os grandes amores. Lá pela quinta ou sexta página, ele interrompeu
a mãe e perguntou: - Mamãe, quando será que começa a minha história? Quando
será a minha vez de “Era uma vez...”? A mãe sorriu com o carinho terno das mães
e disse: - Meu filho você não precisa de história para dormir, sua imaginação é
maior e mais fértil do que a dos autores dos contos de fadas. Fique tranquilo,
sua vez vai chegar na hora certa. Feche os olhos e viaje nos seus sonhos. É assim
que começa.
E o menino sonhou, encontrou, descobriu, amou, entregou-se, viveu e
acordou. E esqueceu.
O tempo passou e ele foi conversar com um amigo sobre sua busca. O amigo
falou da música. Disse que os grandes amores sempre começam com uma trilha
sonora. Perguntou se havia entre os discos da estante uma música que fosse para
ele a trilha sonora do grande amor que ele procurava. Havia. Ligaram a vitrola e
colocaram a faixa principal para tocar. O amigo disse: - Agora, feche os olhos,
sinta a música e me diga em quem você pensa. Ele sentiu e disse.
- Pronto, você já tem seu grande amor. Agora é só lutar por ele.
E o menino lutou, buscou, conversou, confessou, pediu, recebeu, beijou
e sentiu. E passou.
Menos menino, ele seguiu procurando. Seus poetas escreviam sobre os
grandes amores nos livros que ele sorvia com prazer. Um falava sobre o sorriso
e a flor. E ele começou a olhar atentamente para os sorrisos. Um dia encontrou
um dos grandes, imenso, que expunha além dos dentes brancos, um brilho, um
encanto e duas covinhas no rosto de uma menina. Achou que lá estava o grande
amor. Foi logo comprar flores. Queria transformar a poesia na receita do grande
amor. Fechou os olhos e sonhou.
E o menino seduziu, conquistou, viajou, sorriu, abraçou, presenteou. E
se enganou.
Cansado de errar, mas nunca cansado de tentar, o menino seguiu na
estrada da vida atento aos sinais. A vida foi se complicando. Ladeiras imensas diminuíam
seus passos na subida e tiravam seu controle na descida. Colheu as flores que
brotavam selvagens na beira da estrada, vibrou com elas por alguns instantes,
mas logo descobriu que o grande amor não estava lá. Foi em frente.
Um dia seus olhos encontraram outros olhos. Ele tentou desviar. Não conseguiu.
O olhar continha um mistério único. Sentia-se mergulhado em um sonho, ainda que
acordado. As palavras entravam e saiam no meio da conversa e ele não conseguia
parar de olhar. Tentava descobrir onde estava. Parecia enfeitiçado. Quis fechar
seus olhos, mas não pode. Os outros olhos eram caleidoscópios de sentimentos e
ele, fascinado, sentia seu coração bater cada vez mais forte. De repente
descobriu: não eram os olhos, era o olhar.
Sorriu. Sentiu seus próprios olhos brilhando. Tomou fôlego e pediu: - Me
conta uma história. E ela começou assim: “Era uma vez...”
E o menino chorou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário