segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Quarto da Bagunça



Nossa! Esse quarto tá uma bagunça.
 Já têm uns dois anos que ninguém vem limpar.


O coração do menino era muito complicado. Tinha espaço para um monte de gente, mas era uma bagunça incrível. Misturava filha, pai, mãe, o resto da família, amigos, namoradas, amantes, amigas, conhecidos, bichos, músicas, paisagens, lugares, experiências, tinha de tudo. Por isso, um dia ele resolveu reformar o próprio coração. Conversou com um arquiteto especialista e explicou o problema.

- Sabe o que é? Eu preciso de um coração com mais organização. Tem que caber todo mundo e tem que ter espaço de sobra para os que estão chegando. Mas tem que funcionar direito, com corredores de circulação, área de lazer, sala de estar, etc.

E o arquiteto trabalhou em um projeto incrível. Criou até jardins para as crianças brincarem, criou um grande salão de festas para todos se encontrarem, criou uma cozinha para que ele pudesse preparar as comidas que gostava de servir, criou quartos e mais quartos onde cabiam todos. Tinha uns muito grandes, como o da sua filha – era o maior – e o da sua mãe e o do seu irmão. Tinha também uma capela para que coubessem seus mortos. A única coisa que ele não gostou foi da sala de jogos. Explicou para o arquiteto que ele não costumava jogar no coração e transformou a tal sala numa imensa sala de jantar.

Depois de pronto, o menino foi visitar os quartos. Queria ver todas as pessoas e saber se estavam bem, se tinham ficado confortáveis, se precisavam de alguma coisa. Entrou em um e em outro e viu que estava tudo bem arrumado. Ficou feliz com isso. Continuou passeando pelo coração e encontrou um quarto diferente, fechado à chave.

Bateu na porta, mas ninguém respondeu. Bateu novamente e nada. Pôs a mão no bolso e pensou: - O coração é meu, devo ter a chave em algum lugar. Tirou um grande molho de chaves e começou a testar uma por uma, até que finalmente achou uma chave que entrou, girou e abriu o quarto.

Nossa! Esse quarto está uma bagunça. Já têm uns dois anos que ninguém vem aqui. As coisas ainda estão como estavam. Na cama ainda havia marcas de amor. Na cabeceira, fotos. No armário, como em letra de música, o paletó enlaçando o vestido, o sapato pisando no outro. Mas o que mais impressionou o menino é que o cheiro ainda era o mesmo. Fechou os olhos e respirou fundo. Sentiu como se voltasse no tempo. Chegou a ouvir o apelido carinhoso ressoando no ar e, quando sentiu que uma lágrima ia escorrer, abriu os olhos novamente.

Não tinha ninguém no quarto que ele já sabia de quem era. Chamou pelo nome, ela não respondeu, chamou pelo apelido e nada. Olhou novamente para o quarto abandonado e pensou que seria bom limpá-lo. Pensava que assim ele poderia ser ocupado novamente, por outra pessoa, por outros cheiros, por outras fotos, outras músicas, outros apelidos.

Pensou. Olhou novamente para o quarto e saiu trancando com duas voltas na chave. Foi ver o resto da obra, sempre em construção.


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