Era dia de sol e ele queria estar na praia. Mas na cidade onde estavam praia
não havia. Havia clube, havia parques, havia praças, mas praia não. O sol
brilhava tão forte que ele pediu, implorou, bateu pé e disse para a mãe que
queria ir ao clube. Queria nadar. Queria sentir seu corpo solto na água que
tanto o fascinava. Água que ao mesmo tempo apara e envolve. A água sempre lhe
trouxe encanto. Desejava a piscina ciente que não teria as ondas que adorava. As
ondas eram para ele a parte viva da água.
Tanto fez, que a mãe deu um jeito de levar-lhe ao clube. Era dia de
semana, mas as crianças de férias não sabiam, nem queriam saber. No clube, o
cheiro do cloro e o familiar barulho da algazarra infantil deixaram o menino
feliz. Ele queria tirar logo o short e a camiseta e mergulhar na piscina
grande. Lá ele sentia-se maior, havia mais o que explorar, era o lugar em que
os meninos eram separados dos homens e ele tinha pressa.
Largou sua roupa e seu chinelo em uma mesa e saiu correndo como
qualquer menino. Quase não ouviu o conselho de sempre. Não corra. Com a
velocidade da corrida, tomou o impulso necessário para o pulo mágico das
crianças, rumo ao espaço. Ao tirar os pés do chão, sua fantasia começava. Ele já
não era mais apenas um menino, aquela não era apenas uma piscina, o tempo agora
lhe pertencia.
Com as duas mãos para frente, em forma de seta, ela ganhava o fundo do
seu reino. As águas eram claras e no fundo escondiam toda sorte de animais
míticos que ela era capaz de produzir. Havia mesmo de um tudo: sereias,
serpentes, dragões e monstros escoceses de férias no Brasil. Mentalmente ele
avisava a todos os seres que estava lá. Eles que se cuidassem. Qualquer descuido
poderia ser fatal. O menino era justo, mas era menino e era rei das profundezas
da piscina. Precisava manter a ordem.
Logo, um primo veio lhe falar. Veio propor uma brincadeira sem saber
que o menino já estava seriamente comprometido com suas responsabilidades
reais. O primo, com vocação para imitar grandes seres aquáticos disse ser um
cachalote e saiu nadando como baleia para outra parte da piscina. Foi melhor
assim, ele poderia se machucar na batalha que estava prestes a começar. Mentalmente,
o menino chamou seus aliados mais poderosos, como o tubarão negro, o golfinho
cinza, a baleia cor de rosa e os peixes-espada prateados. Avisou que todo
cuidado era pouco, mas que o monstro venusiano precisava morrer. Bradou seu
grito de guerra e comandou o início do ataque.
Uma sangrenta batalha era travada na sua imaginação. A todo o momento, ele
afundava, batia o pé no chão e voltava à tona pra respirar. Embaixo d’água, com
os olhos abertos ou não, dava ordens para que o ataque obtivesse sucesso. Mas o
monstro possuía poderes incríveis e muitos dos seus soldados foram sendo
abatidos impiedosamente.
Já preocupado com o desenrolar da briga, pediu mentalmente ajuda a Netuno.
Pediu conselhos. O velho dono do mar lhe apareceu com tridente em punho e
disse: - Você só tem uma chance. Vou lhe ensinar uma arma secreta que vai
destruir o monstro e trazer de volta seus soldados. Fascinado, o menino pedia
que fosse rápido e o dono dos mares lhe falou sobre a cambalhota mágica. São três
vezes para trás e uma para frente. Mas não se esqueça. Agora vá logo porque o
tempo está contra você.
O menino tinha medo de dar cambalhotas na piscina. Já havia tentado e
já havia engolido muita água. Mas o ato de coragem precisava ser executado
imediatamente. A voz de Netuno ecoava e ele partiu para cumprir sua tarefa. Prendeu
o fôlego, afundou, bateu o pé no chão e ganhou impulso para a primeira
cambalhota de costas, seguida de mais uma e outra mais. Tomou novo fôlego e se
atirou de frente na água para a cambalhota mais difícil. Ele não hesitou e
conseguiu realizar o movimento mágico.
Mergulhou para conferir os efeitos da sua façanha e viu seus soldados
revivendo e o monstro se contorcendo antes de sumir, diluído na água da
piscina.
... ... ...
- Meu filho chega. Vamos embora que ainda tenho muito que fazer hoje.
- Puxa mãe, mas eu nem comecei a brincar ainda... Posso só mostrar pra
você a cambalhota que eu aprendi!?!
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