terça-feira, 20 de agosto de 2013

Cambalhota


Era dia de sol e ele queria estar na praia. Mas na cidade onde estavam praia não havia. Havia clube, havia parques, havia praças, mas praia não. O sol brilhava tão forte que ele pediu, implorou, bateu pé e disse para a mãe que queria ir ao clube. Queria nadar. Queria sentir seu corpo solto na água que tanto o fascinava. Água que ao mesmo tempo apara e envolve. A água sempre lhe trouxe encanto. Desejava a piscina ciente que não teria as ondas que adorava. As ondas eram para ele a parte viva da água.

Tanto fez, que a mãe deu um jeito de levar-lhe ao clube. Era dia de semana, mas as crianças de férias não sabiam, nem queriam saber. No clube, o cheiro do cloro e o familiar barulho da algazarra infantil deixaram o menino feliz. Ele queria tirar logo o short e a camiseta e mergulhar na piscina grande. Lá ele sentia-se maior, havia mais o que explorar, era o lugar em que os meninos eram separados dos homens e ele tinha pressa.

Largou sua roupa e seu chinelo em uma mesa e saiu correndo como qualquer menino. Quase não ouviu o conselho de sempre. Não corra. Com a velocidade da corrida, tomou o impulso necessário para o pulo mágico das crianças, rumo ao espaço. Ao tirar os pés do chão, sua fantasia começava. Ele já não era mais apenas um menino, aquela não era apenas uma piscina, o tempo agora lhe pertencia.

Com as duas mãos para frente, em forma de seta, ela ganhava o fundo do seu reino. As águas eram claras e no fundo escondiam toda sorte de animais míticos que ela era capaz de produzir. Havia mesmo de um tudo: sereias, serpentes, dragões e monstros escoceses de férias no Brasil. Mentalmente ele avisava a todos os seres que estava lá. Eles que se cuidassem. Qualquer descuido poderia ser fatal. O menino era justo, mas era menino e era rei das profundezas da piscina. Precisava manter a ordem.

Logo, um primo veio lhe falar. Veio propor uma brincadeira sem saber que o menino já estava seriamente comprometido com suas responsabilidades reais. O primo, com vocação para imitar grandes seres aquáticos disse ser um cachalote e saiu nadando como baleia para outra parte da piscina. Foi melhor assim, ele poderia se machucar na batalha que estava prestes a começar. Mentalmente, o menino chamou seus aliados mais poderosos, como o tubarão negro, o golfinho cinza, a baleia cor de rosa e os peixes-espada prateados. Avisou que todo cuidado era pouco, mas que o monstro venusiano precisava morrer. Bradou seu grito de guerra e comandou o início do ataque.

Uma sangrenta batalha era travada na sua imaginação. A todo o momento, ele afundava, batia o pé no chão e voltava à tona pra respirar. Embaixo d’água, com os olhos abertos ou não, dava ordens para que o ataque obtivesse sucesso. Mas o monstro possuía poderes incríveis e muitos dos seus soldados foram sendo abatidos impiedosamente.

Já preocupado com o desenrolar da briga, pediu mentalmente ajuda a Netuno. Pediu conselhos. O velho dono do mar lhe apareceu com tridente em punho e disse: - Você só tem uma chance. Vou lhe ensinar uma arma secreta que vai destruir o monstro e trazer de volta seus soldados. Fascinado, o menino pedia que fosse rápido e o dono dos mares lhe falou sobre a cambalhota mágica. São três vezes para trás e uma para frente. Mas não se esqueça. Agora vá logo porque o tempo está contra você.

O menino tinha medo de dar cambalhotas na piscina. Já havia tentado e já havia engolido muita água. Mas o ato de coragem precisava ser executado imediatamente. A voz de Netuno ecoava e ele partiu para cumprir sua tarefa. Prendeu o fôlego, afundou, bateu o pé no chão e ganhou impulso para a primeira cambalhota de costas, seguida de mais uma e outra mais. Tomou novo fôlego e se atirou de frente na água para a cambalhota mais difícil. Ele não hesitou e conseguiu realizar o movimento mágico.

Mergulhou para conferir os efeitos da sua façanha e viu seus soldados revivendo e o monstro se contorcendo antes de sumir, diluído na água da piscina.

...   ...   ...

- Meu filho chega. Vamos embora que ainda tenho muito que fazer hoje.
- Puxa mãe, mas eu nem comecei a brincar ainda... Posso só mostrar pra você a cambalhota que eu aprendi!?!



Nenhum comentário:

Postar um comentário