As palavras não vão sair. Elas estão presas. Por alguma razão elas não
querem falar comigo hoje e eu não tenho nada para escrever. O que será que eu
fiz para elas me tratarem assim? Será que andei pensando demais? Será que
gastei as palavras nos pensamentos que passeiam sem parar pela minha cabeça? Não
sei bem. Sei que acordei morrendo de saudades das palavras e elas não vieram conversar
comigo hoje.
Dormi bem sim. Dormi relaxado do jeito que eu mais gosto, na cama que
eu mais gosto, com a mulher que eu mais gosto. Dormi feliz o sono de quem se
lança na vida como quem se lança nos sonhos. Dormi atento àquele momento em que
fecho os olhos e me dou boa noite, e me deixo levar pela magia do sono. O corpo
encontra sua posição, não preciso mais mexer, posso ficar parado e me deixar
levar da maneira que for. Então a cabeça começa a visitar lugares imaginários
ou reais que já passaram na minha vida de alguma forma. Vejo o clube da
infância, onde aprendi a nadar. Vejo a fazenda de um tio que frequentei muito
no início da adolescência. Vejo campos e campos de flores e de matas. O coração
dá uma suspirada, a mente se despe do meu corpo e ganha vida própria e me
permite viajar solto no ar.
E aí, o sonho.
Sonhei com o futuro. Vi os dias, meses e anos que virão pela frente. Tudo
muito rápido e lá estava eu ao seu lado, de mãos dadas e sorrindo. Você mandava
eu me cuidar, fechar a blusa, vestir um sapato. Sorria fácil. Me olhava com
carinho e se aninhava nos meus braços dizendo que era feliz. Eu beijava seus
cabelos e depois seu rosto e procurava sua boca para um beijo a mais. E você
sorria novamente.
Levantamos os olhos e vimos as crianças. Crianças das nossas crianças. Todos
sorrindo e brincando. Todos em nossa volta, esperando o jantar, tomando um
drink, contando histórias e pedindo nossas opiniões sobre o que acontecia na
vida deles. Contavam tudo e contavam com nós dois e com as nossas palavras para
saber o que fariam. Eu me lembrava então das que ouvia do meu pai e repetia,
adequando o texto para dar caminhos aos nossos filhos e netos. Você lembrava-se
das que a sua mãe dizia e repetia, dando credito a ela, todos os bons conselhos
de uma forma direta, mas com o mesmo carinho de mãe, sua herança predileta.
E eu olhava para você e perguntava se eu tinha conseguido. Você me
olhava também e dizia: - Conseguido o quê? E eu respondia: - Conseguido ser o
boa praça que uma vez eu disse que queria ser. E você deixava escorrer uma
lágrima e me beijava dizendo que sim.
Eu ainda me lembrava do dia em que você me disse que queria que seus
filhos tivessem meus valores e me perguntava se tinha lhe dito a mesma coisa
sobre a minha filha, e também se havia lhe dito que eu também queria ter seus
valores e do seu pai e da sua mãe para mim.
...
E acordei abraçado em você, acarinhando seu rosto, beijando seu cabelo
e sua face e sua boca e dizendo que ia me levantar para fazer café e que te
amo.
E as palavras acordaram também.
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