O menino era dado aos esportes. Gostava de participar das equipes de
colégio e se esforçava para ser bom no que ele estivesse jogando. Infelizmente,
futebol nunca foi sua praia. Ele tentava, mas ficava sempre de fora das
seleções da turma que se dividia entre os “cobras” e os “lagartos”. Os cobras
eram os bons e os lagartos não. Simples assim. Ele seguia firme na sua perebice
infantil e aos poucos se tornava uma espécie de reserva dos lagartos, ou seja:
só jogava se não houvesse opção.
Por outro lado, tinha muita habilidade no basquete e no handebol. Nesses
esportes estava entre os melhores, participava com vontade. Chegou a ter sua
própria bola de basquete e praticava bola ao cesto por horas a fio. No handebol
era goleiro, a pior posição do time, mas onde ele surpreendia com defesas incríveis
para o delírio dele mesmo e dos colegas de classe.
Fora da escola, seus esportes passaram pelo judô e pela natação. O judô
o ensinou a cair e ele é grato até hoje pelo milhão de tombos que tomou
enfrentando seus adversários. Mas foi só. Não foi além de uma simpática faixa
azul. Já a natação era outra história, quase mágica para o menino. Ele tinha aulas
em um velho clube carioca em que havia duas piscinas, uma normal e outra
olímpica com direito à plataforma de saltos e tudo mais.
A rotina era chegar ao clube já de sunga, vestir uma ridícula touca de
pano, pegar uma mini prancha e ir para o aquecimento. Essa era a parte chata. Alguns
dos nomes dos exercícios que ele fazia para se aquecer, antes da piscina, ele
jamais esqueceu. “Jairzinho” e “polichinelo” são duas palavras que ele guardou
com rancor para o resto da vida. Passados os quinze minutos malditos do
aquecimento inicial era hora do mergulho.
Quando a ordem de cair na piscina era dada, o menino se transformava. Acreditava
que estava entrando no seu próprio reino das águas claras. Respirava fundo,
jogava a prancha na frente e mergulhava de cabeça buscando o fundo com as mãos
para só então voltar à tona pra respirar. Aquela água lavava o corpo e a alma. Era
o melhor momento do dia, ainda que passageiro e seguido dos berros do técnico
que começava a dar ordens para todos: “batendo as pernas na borda”, “alternando
a respiração”, “agora com a prancha, de um lado para o outro”, “agora de costas”,
“agora a virada” e por aí vai... Não faltavam ordens nem imaginação ao técnico,
dono de um insuportável apito que apontava os erros de todos impiedosamente.
Depois de mais uns vinte minutos nessa chatice, era hora de nadar de
verdade. Começavam as disputas em vários estilos. Seu preferido era o Crawl,
acho que pelo nome que impressionava e pela simplicidade das braçadas e da
respiração. Nesse estilo ele era sempre um dos primeiros a chegar. O nado de
peito também era fácil para ele, seguido de perto pelo nado de costas. Sua grande
dificuldade era o tal do nado borboleta. Primeiro porque borboleta não nada,
depois porque coordenar braços, pernas e respiração nesse estilo era um sufoco
danado.
Um dia, o técnico avisou que haveria uma competição carioca de natação
e que ele estava convocado para nadar na sua categoria contra os meninos de
outros clubes. Ele ia nadar seu nado preferido e tinha que representar o clube
com garra. Nossa, ele adorava a ideia de competir, ainda mais em algo que ele
gostava tanto. Nas duas semanas que separaram o aviso da competição ele treinou
dobrado. Chegava mais cedo e saía mais tarde, não reclamava do aquecimento e
nem da prancha. Dedicava-se com um espírito guerreiro que nem ele reconhecia.
Estava decidido a ganhar.
Na hora da prova o nervosismo era grande. O menino estava lá, na
piscina olímpica, na sua marca, pronto para cair na água e vencer cada braçada
com toda a sua disposição. O técnico mandou que assumissem suas posições. Ele havia
dispensado os óculos de natação. Estava focado, esperando o momento certo que
veio com o apito da partida. Ele não pensou em mais nada. Mergulhou tomando
impulso para sair na frente, mas logo se esqueceu dos demais. Tudo o que
pensava era em dar o seu melhor e esse melhor passava pelo prazer de nadar de estar
dentro d’água, de se esforçar.
As braçadas se repetiram. A respiração falhava porque ele preferia
segurar o fôlego ao invés de perder tempo com isso. Ouvia o barulho da torcida
de fora. Bateu na borda da piscina e conseguiu sua melhor virada. Teve tempo de
notar que estava bem na competição. Animou-se a nadar ainda mais forte e no
meio da piscina viu o filme da sua vida passando por sua cabeça. Lembrou-se das
primeiras aulas, dos primeiros mergulhos, do avô que o ensinara a nadar, do mar
da praia da sua infância, do técnico, dos amigos do clube e da vontade de
mergulhar. Nadava e sorria. E seguiu nadando até que o lugar no pódio não fosse
mais importante.
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