sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Nada Não


O menino era dado aos esportes. Gostava de participar das equipes de colégio e se esforçava para ser bom no que ele estivesse jogando. Infelizmente, futebol nunca foi sua praia. Ele tentava, mas ficava sempre de fora das seleções da turma que se dividia entre os “cobras” e os “lagartos”. Os cobras eram os bons e os lagartos não. Simples assim. Ele seguia firme na sua perebice infantil e aos poucos se tornava uma espécie de reserva dos lagartos, ou seja: só jogava se não houvesse opção.

Por outro lado, tinha muita habilidade no basquete e no handebol. Nesses esportes estava entre os melhores, participava com vontade. Chegou a ter sua própria bola de basquete e praticava bola ao cesto por horas a fio. No handebol era goleiro, a pior posição do time, mas  onde ele surpreendia com defesas incríveis para o delírio dele mesmo e dos colegas de classe.

Fora da escola, seus esportes passaram pelo judô e pela natação. O judô o ensinou a cair e ele é grato até hoje pelo milhão de tombos que tomou enfrentando seus adversários. Mas foi só. Não foi além de uma simpática faixa azul. Já a natação era outra história, quase mágica para o menino. Ele tinha aulas em um velho clube carioca em que havia duas piscinas, uma normal e outra olímpica com direito à plataforma de saltos e tudo mais.

A rotina era chegar ao clube já de sunga, vestir uma ridícula touca de pano, pegar uma mini prancha e ir para o aquecimento. Essa era a parte chata. Alguns dos nomes dos exercícios que ele fazia para se aquecer, antes da piscina, ele jamais esqueceu. “Jairzinho” e “polichinelo” são duas palavras que ele guardou com rancor para o resto da vida. Passados os quinze minutos malditos do aquecimento inicial era hora do mergulho.

Quando a ordem de cair na piscina era dada, o menino se transformava. Acreditava que estava entrando no seu próprio reino das águas claras. Respirava fundo, jogava a prancha na frente e mergulhava de cabeça buscando o fundo com as mãos para só então voltar à tona pra respirar. Aquela água lavava o corpo e a alma. Era o melhor momento do dia, ainda que passageiro e seguido dos berros do técnico que começava a dar ordens para todos: “batendo as pernas na borda”, “alternando a respiração”, “agora com a prancha, de um lado para o outro”, “agora de costas”, “agora a virada” e por aí vai... Não faltavam ordens nem imaginação ao técnico, dono de um insuportável apito que apontava os erros de todos impiedosamente.

Depois de mais uns vinte minutos nessa chatice, era hora de nadar de verdade. Começavam as disputas em vários estilos. Seu preferido era o Crawl, acho que pelo nome que impressionava e pela simplicidade das braçadas e da respiração. Nesse estilo ele era sempre um dos primeiros a chegar. O nado de peito também era fácil para ele, seguido de perto pelo nado de costas. Sua grande dificuldade era o tal do nado borboleta. Primeiro porque borboleta não nada, depois porque coordenar braços, pernas e respiração nesse estilo era um sufoco danado.

Um dia, o técnico avisou que haveria uma competição carioca de natação e que ele estava convocado para nadar na sua categoria contra os meninos de outros clubes. Ele ia nadar seu nado preferido e tinha que representar o clube com garra. Nossa, ele adorava a ideia de competir, ainda mais em algo que ele gostava tanto. Nas duas semanas que separaram o aviso da competição ele treinou dobrado. Chegava mais cedo e saía mais tarde, não reclamava do aquecimento e nem da prancha. Dedicava-se com um espírito guerreiro que nem ele reconhecia. Estava decidido a ganhar.

Na hora da prova o nervosismo era grande. O menino estava lá, na piscina olímpica, na sua marca, pronto para cair na água e vencer cada braçada com toda a sua disposição. O técnico mandou que assumissem suas posições. Ele havia dispensado os óculos de natação. Estava focado, esperando o momento certo que veio com o apito da partida. Ele não pensou em mais nada. Mergulhou tomando impulso para sair na frente, mas logo se esqueceu dos demais. Tudo o que pensava era em dar o seu melhor e esse melhor passava pelo prazer de nadar de estar dentro d’água, de se esforçar.

As braçadas se repetiram. A respiração falhava porque ele preferia segurar o fôlego ao invés de perder tempo com isso. Ouvia o barulho da torcida de fora. Bateu na borda da piscina e conseguiu sua melhor virada. Teve tempo de notar que estava bem na competição. Animou-se a nadar ainda mais forte e no meio da piscina viu o filme da sua vida passando por sua cabeça. Lembrou-se das primeiras aulas, dos primeiros mergulhos, do avô que o ensinara a nadar, do mar da praia da sua infância, do técnico, dos amigos do clube e da vontade de mergulhar. Nadava e sorria. E seguiu nadando até que o lugar no pódio não fosse mais importante.



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