O menino gostava de observar as pessoas. Muitas e muitas vezes, ficava
de longe olhando e tentando perceber melhor o que um ou outro estavam fazendo.
Prestava atenção nas pessoas comuns com quem cruzava na rua quase todos os
dias, prestava atenção também nas pessoas mais próximas e ficava sempre atento
ao que diziam, ao que faziam, ao que mostravam uns para os outros. Ele
acreditava que conhecendo melhor os outros entenderia a ele mesmo melhor.
Uma vez parou para olhar um casal bem jovem. Lembrou-se dos tempos em
que tinha aquela idade. Eram apaixonados, um pelo outro. Tratavam-se com todo o
carinho do mundo. Quando não estavam colados, estavam procurando o outro.
Tinham, é claro, os momentos de provocação em que um implicava com as pequenas
tolices do outro. Tudo desculpa para se beijarem com amor, pensava o menino.
Era um casal próximo e por isso o menino convivia com eles. Era um
casal bonito, do tipo que planeja o resto da vida junto. O menino lembrou-se
das tantas vezes em que ele mesmo acreditou que era pra sempre, sem saber que o
pra sempre, sempre acaba. Mas seguiu observando, calado. Percebeu que o casal
tinha um mundo só deles. Um mundo criado pelas verdades e desejos dos dois. Poderiam,
se quisessem, ter criado seu próprio idioma. Poderiam ter estabelecido seus
próprios padrões de comportamento. Poderiam ter feito qualquer coisa, porque o
mundo era só deles, ao menos aquele mundo.
Viajavam juntos, gostavam dos mesmos lugares, das mesmas pessoas, das
mesmas festas. Um tentava respeitar o espaço do outro, tentavam desgrudar às
vezes apenas para ver o outro voar e voltar. Tinham todos os sonhos do mundo e
muitos mais para construir e viver. Era lindo ver o casal que se encaixava com
a sabedoria e as verdades absolutas da juventude.
Um dia o tal casal rompeu. Um disse me disse que disse o que disse foi
o culpado.
A confiança deles, um no outro, não era tão forte e nem tão fácil
quanto eles julgavam. O menino, novamente observou. Viu de perto a tristeza da
menina porque ela era mais próxima. Pensou na tristeza do menino porque se
lembrou das tantas vezes em que sentiu o mesmo. O mundo construído pelos dois
ia sendo abandonado aos poucos. Ele saiu primeiro, mas poderia ter sido ela. Ela
ficou, cuidando de tudo o que sonharam juntos, sem saber quanto tempo ficaria
sozinha por ali. E os dois se entristeceram de formas diferentes.
Ele tentou transformar a tristeza em raiva. Um dos sentimentos mais
próximos do amor que existe, pensou o menino. Sentia-se traído e roubado dos
sentimentos que escolheu. Sentia-se tão mal que nem imaginava que podia estar
errado. A mágoa criada de fora para dentro tinha encontrado um jeito de entrar
e doía fundo. Ele, também menino, precisava do seu tempo e espaço para se
refazer, se reinventar, se encontrar. Acreditava que se criasse um outro mundo
e se fizesse isso rápido, sofreria menos. Olhava para o amor com um tanto de
rancor. Se pudesse conversar com o amor diria que aquilo não era justo com ele,
tomaria satisfações, juraria vingança e todas as outras tolices que falamos e
fazemos quando estamos tristes de amor.
Ela ainda ficou lá, no mundo deles. Organizou os armários, abriu as
janelas, colocou as lembranças nos lugares certos e escolheu sofrer quieta,
acreditando que um mundo tão bonito não poderia ser abandonado daquela forma. E
por isso limpava, e arrumava, e cuidava. Ela sofria sua falta e não queria
aprender a viver sem ele. Esperava sua volta. Sentia-se privada dos seus
sentidos. Seguia olhando, mas não enxergava, seguia falando, mas não tinha
resposta, seguia ouvindo, mas não escutava, e sentia a falta do cheiro e do
sabor do seu menino. Sabia que não poderia ficar sozinha naquele mundo que só
existia porque existiam os dois juntos, mas ainda teimava em não sair.
O menino olhava aquilo tudo com a agonia de quem não suporta ver o amor
desperdiçado. Mas se é desperdiçado, não deve ser amor! Pensava. Lembrava-se de
uma música antiga que falava sobre os jovens. Dizia que se eles soubessem o que
se sabe não amavam, não sofriam, não passavam aquilo que o autor da música já
havia passado. E pensava também que se ele pudesse, diria aos dois que a vida é
maior que um momento, que uma mágoa, que uma briga. Diria que amor é a única
coisa importante que existe. Diria que a vida é feita de escolhas. Que é como
uma estrada de mão única, em que sempre há dois caminhos e que não é possível
voltar atrás. Diria que o mundo dos dois é bonito demais para ser abandonado e
avisaria que eles até poderiam criar novos mundos, cada um do seu jeito, cada
um com quem quisessem, mas que aquele mundo era único, era vivo, era cheio de
vida pra ser vivida e de amor pra ser amado.
Mas como o menino não podia dizer, escrevia.
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