sexta-feira, 28 de junho de 2013

Quando o sono e o sonho chegam juntos

O menino assistiu aquele filme, típico de sessão da tarde, em que duas pessoas trocam de lugar. O homem mais velho vira criança e o garoto vira adulto. Aquele que tem a cena do piano na Fao Schwatrz em Nova York. Em português chamou-se “Quero ser grande”, em inglês “Big”. Era aquilo mesmo que ele queria. Um filme leve que lhe trouxesse o sono e inspirasse sonhos.

E eles, o sono e o sonho, vieram...

... ... ...

Uma discussão com o pai. Tudo começou quando ele resolveu contar que tinha terminado seu namoro. O pai o repreendeu dizendo que não era possível, mas caiu na bobagem de dizer algo como: “- Sem falar em todo o investimento.” O menino ficou louco com aquilo. Que investimento? Do que você está falando? E o pai falava em dinheiro gasto com almoços, presentes, viagens e outras bobagens que deixaram o filho magoado. Ele só conseguia pensar no fim de uma história em que ele acreditou e no investimento emocional que não havia dado os lucros e dividendos que ele esperava. A briga cresceu e cresceu e cresceu... o filho chamava o pai de insensível e o pai chamava o filho de romântico infantil, até que no mesmo momento eles disseram:

- Eu queria estar no seu lugar!

E viraram as costas um para o outro e foram dormir. Na manhã seguinte o susto, um no lugar do outro, igualzinho ao filme. O pai tinha uma reunião importante e o filho uma prova de química dificílima. Sem tempo para buscar uma solução, assumiram os lugares trocados e foram cada um para o lugar do outro.

No escritório.

O menino chegou cedo como o pai costumava fazer. Abriu o escritório e sentou-se na poltrona confortável em frente à mesa grande. Mexeu em alguns papéis, sem entender o que eram e ficou brincando de ser gente grande. Meia hora depois a secretária entra trazendo o café de todos os dias e avisa: - Seus clientes já estão aí. Levo pra sala de reunião? Ainda meio perdido ele só respondeu que sim. Tomou o café, ajeitou, sem jeito, a gravata e foi encontrar com eles.

Era um caso de família. Mãe, irmão e irmã haviam ido se aconselhar sobre os termos do testamento. Junto com eles um advogadozinho que o irmão havia levado. O menino cumprimentou a todos e pediu que a mãe falasse antes.

- Ah Doutor, esses dois não tem jeito. Eu nem morri e eles já não se falam mais por conta do que vão ou não herdar. Estou triste demais para falar qualquer coisa, só não queria morrer com esses dois assim.

- Ora mamãe, você sabe muito bem que a culpa não é minha. Foi ele que resolveu me dizer que tem mais direitos do que eu só porque é formado em administração e tem dois filhos.

- Não é nada disso. O que não dá é pra você herdar uma companhia apenas para gastar o dinheiro dela. Se você não sabe administrar, a companhia fica comigo e você vai morar em Búzios.

O clima não era bom. A mãe com o olhar triste não achava um caminho de conciliação possível. O irmão queria mais é que a irmã se danasse. A irmã queria apenas torrar o dinheiro e viver a vida louca. E o advogadozinho só pigarreava. O menino pensava no que o pai diria e ficou ouvindo a briga até que deu com a palma da mão na mesa grande, ecoando um barulho seco e calando a família.

- A senhora já ouviu falar de Salomão, perguntou o menino para a mãe.
- Sim, é claro.
- Pois bem, porque não fazemos da seguinte forma: pedimos a minha secretária um copo de água e duas caixas de Lexotan que eu devo ter na minha gaveta. A senhora toma tudo de uma vez e deixa esses dois comigo. Viver triste assim não faz sentido, não é mesmo?

Os irmãos ouviram, perplexos, a sugestão do menino. O advogadozinho pediu para ir ao banheiro e a mãe sorriu e disse: - O senhor tem toda a razão, façamos isso mesmo.

- Você vai deixar ela fazer isso? perguntaram ao mesmo tempo, irmão e irmã.
- Claro que não, responderam de novo em uníssono.
- Bom sinal. Achei que estava conversando com dois ladrões profissionais e estou vendo que vocês são bem amadores. Só que precisam entender que vocês são as caixas de Lexotan que estão matando a mãe de vocês. Se não querem isso, achem uma solução justa. Contratem um administrador profissional e dividam o dinheiro em partes iguais ou qualquer outra coisa civilizada. Se não fizerem isso, após a morte da sua mãe, eu mesmo vou entrar com um processo por homicídio doloso contra vocês.

E a briga deu lugar a um choro emocionado de todos e ele se retirou em triunfo da sala, agradecendo a aula de religião que tinha tido na semana anterior sobre o tal Salomão.


No Colégio

Cinco minutos antes da hora o pai já estava sentado na primeira fileira esperando a chegada do professor do primeiro tempo. Segundo a agenda do filho, o primeiro tempo era História do Brasil, matéria que ele sempre adorou.

Havia um alvoroço do lado de fora da sala. Gritos, risos e muito falatório. Ele buscava as horas no relógio, mas mal sabia mexer naquela traquitana digital que o filho costumava usar. Os amigos foram entrando na sala. Todos mexendo com o pai... Vai sentar na primeira fila? Tá doente? E algumas outras crueldades típicas da idade.

O professor entrou em sala e ele levantou-se em respeito. Foi o único. Todos da sala riram muito e ele ficou sem entender. Até o professor estranhou e disse: - Não vai começar de palhaçada logo cedo... Seu pai não te deu educação? E o pai achou melhor ficar quieto.

Quando o professor começou a aula e a falar sobre a história da cidade do Rio de Janeiro, começaram os incômodos. Era uma asneira atrás da outra. Ele dizia que os portugueses não haviam vindo para o Rio até que os franceses tivessem tomado conta, mas esquecia que os portugueses já haviam sim tido contato com os canibais que moravam na então tribo maravilhosa, e que tinham resolvido deixar para depois a conquista do lugar. Disse que os índios eram selvagens sem educação e pulou o fato de que Villegagnon tinha se tornado amigo de Cunhabebe, cacique dos Tupinambás a ponto de escreverem, juntos, um dicionário Francês-Tupinambá.

Sábio, ele preferiu ouvir as asneiras sem discordar. Pensava apenas no trabalho que teria para educar o filho decentemente no futuro.

E assim foi até a hora do recreio, quando a (ex) namorada se aproximou.

- Você está estranho hoje. O que houve?
- Eu? Estranho? Mas nós não terminamos nosso namoro ontem?
- Terminamos sorrindo, jurando que seríamos amigos para sempre e que sempre poderíamos contar um com o outro. Era mentira? Você prefere que eu vá embora?

Ele gaguejou. Pensou rápido e disse: - Desculpe, estou mexido com isso tudo. Parece que é um filme passando na minha cabeça... não sei se tomamos a decisão certa...

E ela interrompeu: - Tomamos não! Quem tomou a decisão foi você. Quem me disse que não acreditava mais no que sentia por mim, foi você! Quem me falou sobre o que aprendeu com o pai e mãe sobre ser honesto, não mentir e principalmente não iludir foi você! Ou você já esqueceu?

E o pai, sem ação, apenas disse: - Não sei mais se meu pai teria feito o mesmo. E ela respondeu: - Ora, pode parar. Você é apaixonado pelo seu pai, tem por ele a maior admiração que já vi um filho ter, você sabe que pode contar com ele para tudo e você sempre se inspira nele para ser quem você é. Claro que seu pai teria feito o mesmo. Ele jamais iludiria alguém, continuaria namorando só porque já está namorando, faria a outra pessoa acreditar em um amor que não existe mais. Seu pai é um romântico infantil e não um insensível. Que bobagem...

E a menina foi embora, desconcertada com a conversa e o pai chorou.

... ... ...


São 6:00h e o despertador está tocando.

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