Esse troço de fantasia é um vício. Pior que cigarro, pior que a maior parte
das drogas que eu conheço, pior que álcool. Sei lá, acho que o vício em
fantasia é bem complicado de se curar, se é que tem cura. Talvez seja o caso de
criar o F.A. – Fantasiosos Anônimos.
Meu nome é menino e estou sem fantasia há tanto tempo. Aplausos gerais,
seguidos de um depoimento emocionado.
Tudo começou quando eu ainda era muito novo. Minha mãe foi a primeira
pessoa a me falar que fantasia era legal. Ela me dizia que eu tinha uma
imaginação incrível, que era capaz de imaginar as coisas mais maravilhosas do
mundo e que isso era bom. Eu acreditei.
Logo nos meus primeiros namoros a fantasia foi tomando conta de mim. A
primeira namorada era a minha razão de viver, minha grande questão existencial.
Lembro que liguei para ela e coloquei uma fantasia na vitrola para tocar. Era
outro viciado irrecuperável que girava nas rotações da vitrola cantando “Se
você quer ser minha namorada...”. Foi quando me tornei um traficante de
fantasias. Lembro que a menina quis comprar comigo e eu vendi muita fantasia
pra ela. Ríamos, saíamos, brincávamos, éramos muito felizes enquanto durou.
Eu consumia tanta fantasia que acabei querendo vender para outras
pessoas também. Encontrei outra menina que quis experimentar e depois outra e
assim por diante. Quando me dei conta tinha virado o fornecedor oficial de
fantasia para um monte de gente. Uma de cada vez, é bem verdade, mas não parava
de vender.
O tempo passou e um dia encontrei uma moça que queria me tirar dessa
vida. Parei de vender fantasia por um bom tempo, quase quinze anos. Mas no meio
dessa história tivemos uma filha e com ela o gosto pela fantasia reapareceu. Olhava
para aquela criança e pensava: - Será que ela não vai sentir o gosto de
fantasia? E aos poucos fui voltando a pensar nisso, até que optei por uma
separação e novamente o mundo da fantasia me pegou.
Logo depois conheci a maior fantasia de todas. Não sei bem se ela era
tão viciada quanto eu, mas consumimos quantidades industriais de
fantasia juntos. Tanta, mas tanta fantasia que acabamos tendo uma overdose. Confesso
que sobrevivi com dificuldades. Reduzi a dose e aos poucos fui tomando o
controle de novo.
Conheci outras pessoas. Consumi mais fantasia. Mas sempre em doses
menores. Até que conheci outra fantasia muito grande e quase me deixei levar
pelo consumo sem limites. Os efeitos eram poderosos, mas o fato de saber que
era fantasia me deixava apavorado. O medo de uma nova overdose é maior do que a
minha necessidade, maior que meu vício.
Algumas pessoas me falaram e continuam me falando que isso tem
tratamento, tem cura. Eu sei, ouvi muito falar do remédio, mas também tenho
medo dele. Dizem que a tal Realidade embrutece, endurece, amadurece e cega as
pessoas.
Meu nome é menino e estou sem consumir fantasia há um tempo. Não sei
quanto tempo vou conseguir viver sem ela ou se um dia descubro a dose certa que
tomada junto com o remédio não faz mal e não me faz diferente do que sempre
quis ser.
Essa é minha história.
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