quarta-feira, 26 de junho de 2013

Samba

Naquele dia o menino não queria saber de tristeza. Queria música. Queria samba. Combinou com uns amigos o programa da noite, sem pretensão nenhuma. Eram amigos de verdade. Gente que ri junto. Gente que chora junto. Gente que dá bronca até fazer chorar e depois seca as lágrimas com o mesmo amor de sempre. Ele estava em paz. Tinha passado um tempo em uma onda ruim, mas agora estava bem.

Foram de táxi porque de outra forma não poderiam beber o tanto que queriam. E combinaram de lembrar que esse tanto era apenas o suficiente para desinibir as vozes que deveriam se juntar aos puxadores e as pastoras na roda de samba. Foram rindo e brincando uns com os outros. O taxista quase entrou na roda e no final da corrida confessou que, se não tivesse uma diária a pagar, se juntaria ao grupo.

Na ponta do Aterro do Flamengo, próximo ao aeroporto, eles desembarcaram e compraram seus ingressos para o Samba Luzia. Um encontro de gente boa de verdade. Ninguém famoso demais. Ninguém que eles não conhecessem. Ainda havia mesas e eles escolheram uma pra fazer de ponto de encontro, já que ninguém ficaria sentado. Pediram um balde com cervejas e receberam exatamente isso: copos de botequim e um balde plástico com um abridor pendurado na alça e seis cervejas grandes cobertas de gelo picado. Perfeito!

Não é o fulano? Disse um. É e está com a beltrana, disse a outra, indo cumprimentar. Muitos rostos conhecidos. Rostos do samba. Gente que se cumprimenta com o olhar, com uma leve baixada de cabeça, mas que se conhece e se reconhece por frequentar os mesmos lugares.

Quando chegaram, ainda tocava um sambinha bom arriscado pela roda que esperava o puxador. O menino acendeu um cigarro e foi até a mureta do clube para olhar a paisagem inacreditável. Como é que pode existir um lugar assim? A lua estava cheia e refletia no mar manso da enseada. No fundo, a Urca, o Pão de Açúcar e de longe ainda era possível ver o Redentor. A paisagem encheu o peito do menino de uma emoção sem razão de existir. Tomou um gole da cerveja e olhou fixamente para a lua. “Só os apaixonados conseguem ver o coelhinho na lua” repetia mentalmente a frase que tanto ouviu de um amor antigo. Sorriu quando viu o coelhinho e ergueu um brinde a ele (e a ela) pensando: ou ainda sou apaixonado por ela ou era mentira.

O puxador já estava no “boa noite” quando ele voltou pra perto da mesa e dos amigos. As músicas antigas tomaram conta do ambiente. Uma maneira de empolgar e trazer pra perto o público que já estava lá, afinal todo mundo conhecia aquelas músicas. Puxou de cara a “Escravos da alegria” do Vinícius e o menino viajou nos acordes enquanto todos cantavam juntos “se o amor é fantasia, eu me encontro ultimamente, em pleno carnaval.” Não era carnaval pra ele, mas com a música e o ritmo ele viajava até outros tempos, outros carnavais e sorria.

O grupo se dispersou um pouco. Uns, mais pra esquerda outros, mais pra direita e ele foi pra perto da mesa. Fascinado com os instrumentos de percussão, olhava fixo para o surdo. O sambista batia no ritmo do seu coração e ele continuava sorrindo. Olhou depois para o cavaquinho, sempre com inveja de quem nunca ousou sequer tentar um acorde. Tomou outro gole e arriscou um passo solitário no salão.

As músicas cresceram, todos curtiam, até que ele ouviu os primeiros acordes de “Ex amor”. Tomou logo dois goles rápidos. Aquilo mexia com ele.

Ex amor,
Gostaria que tu soubesses
O quanto que eu sofri
Ao ter que me afastar de ti.
Não chorei!
Como um louco eu até sorri,
Mas no fundo só eu sei
Das angústias que senti.

Sempre sonhamos
Com o mais eterno amor.
Infelizmente,
Eu lamento, mas não deu...
Nos desgastamos
Transformando tudo em dor,
Mas mesmo assim
Eu acredito que valeu.
Quando a saudade bate forte
É envolvente.
Eu me possuo
E é na sua intenção.
Com a minha cuca
Naqueles momentos quentes
Em que se acelerava o meu coração.

Ela começou lenta. Cada verso falava direto com ele. Ele cantava junto tentando sorrir e não lembrar das tais “angústias que sentiu”. Ele preferia a parte que dizia “sempre sonhamos com o mais eterno amor” mas a música, ele já sabia, ficaria na sua cabeça até o final da noite.

Será que eu devia ter ficado em casa? Ele se perguntava, perdido entre as notas e os versos quando levantou o rosto para olhar em volta e encontrou o sorriso largo do seu ex amor. Ficou paralisado por um tempo, sem saber como reagiria àquele encontro e sorriu também.

Ainda hipnotizado não percebeu que a música acabava, mas ouviu quando ela pediu no tempo certo que o grupo emendasse a música em outra do mesmo Martinho da Vila e eles cantaram Disritmia, que começava assim...

Eu quero me esconder debaixo
Dessa sua saia prá fugir do mundo.
Pretendo também me embrenhar
No emaranhado desses seus cabelos.

Preciso transfundir meu sangue
Pro meu coração que é tão vagabundo.
Me deixa te trazer num dengo
Prá um cafuné fazer os meus apelos.

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