sexta-feira, 28 de junho de 2013

Quando o sono e o sonho chegam juntos

O menino assistiu aquele filme, típico de sessão da tarde, em que duas pessoas trocam de lugar. O homem mais velho vira criança e o garoto vira adulto. Aquele que tem a cena do piano na Fao Schwatrz em Nova York. Em português chamou-se “Quero ser grande”, em inglês “Big”. Era aquilo mesmo que ele queria. Um filme leve que lhe trouxesse o sono e inspirasse sonhos.

E eles, o sono e o sonho, vieram...

... ... ...

Uma discussão com o pai. Tudo começou quando ele resolveu contar que tinha terminado seu namoro. O pai o repreendeu dizendo que não era possível, mas caiu na bobagem de dizer algo como: “- Sem falar em todo o investimento.” O menino ficou louco com aquilo. Que investimento? Do que você está falando? E o pai falava em dinheiro gasto com almoços, presentes, viagens e outras bobagens que deixaram o filho magoado. Ele só conseguia pensar no fim de uma história em que ele acreditou e no investimento emocional que não havia dado os lucros e dividendos que ele esperava. A briga cresceu e cresceu e cresceu... o filho chamava o pai de insensível e o pai chamava o filho de romântico infantil, até que no mesmo momento eles disseram:

- Eu queria estar no seu lugar!

E viraram as costas um para o outro e foram dormir. Na manhã seguinte o susto, um no lugar do outro, igualzinho ao filme. O pai tinha uma reunião importante e o filho uma prova de química dificílima. Sem tempo para buscar uma solução, assumiram os lugares trocados e foram cada um para o lugar do outro.

No escritório.

O menino chegou cedo como o pai costumava fazer. Abriu o escritório e sentou-se na poltrona confortável em frente à mesa grande. Mexeu em alguns papéis, sem entender o que eram e ficou brincando de ser gente grande. Meia hora depois a secretária entra trazendo o café de todos os dias e avisa: - Seus clientes já estão aí. Levo pra sala de reunião? Ainda meio perdido ele só respondeu que sim. Tomou o café, ajeitou, sem jeito, a gravata e foi encontrar com eles.

Era um caso de família. Mãe, irmão e irmã haviam ido se aconselhar sobre os termos do testamento. Junto com eles um advogadozinho que o irmão havia levado. O menino cumprimentou a todos e pediu que a mãe falasse antes.

- Ah Doutor, esses dois não tem jeito. Eu nem morri e eles já não se falam mais por conta do que vão ou não herdar. Estou triste demais para falar qualquer coisa, só não queria morrer com esses dois assim.

- Ora mamãe, você sabe muito bem que a culpa não é minha. Foi ele que resolveu me dizer que tem mais direitos do que eu só porque é formado em administração e tem dois filhos.

- Não é nada disso. O que não dá é pra você herdar uma companhia apenas para gastar o dinheiro dela. Se você não sabe administrar, a companhia fica comigo e você vai morar em Búzios.

O clima não era bom. A mãe com o olhar triste não achava um caminho de conciliação possível. O irmão queria mais é que a irmã se danasse. A irmã queria apenas torrar o dinheiro e viver a vida louca. E o advogadozinho só pigarreava. O menino pensava no que o pai diria e ficou ouvindo a briga até que deu com a palma da mão na mesa grande, ecoando um barulho seco e calando a família.

- A senhora já ouviu falar de Salomão, perguntou o menino para a mãe.
- Sim, é claro.
- Pois bem, porque não fazemos da seguinte forma: pedimos a minha secretária um copo de água e duas caixas de Lexotan que eu devo ter na minha gaveta. A senhora toma tudo de uma vez e deixa esses dois comigo. Viver triste assim não faz sentido, não é mesmo?

Os irmãos ouviram, perplexos, a sugestão do menino. O advogadozinho pediu para ir ao banheiro e a mãe sorriu e disse: - O senhor tem toda a razão, façamos isso mesmo.

- Você vai deixar ela fazer isso? perguntaram ao mesmo tempo, irmão e irmã.
- Claro que não, responderam de novo em uníssono.
- Bom sinal. Achei que estava conversando com dois ladrões profissionais e estou vendo que vocês são bem amadores. Só que precisam entender que vocês são as caixas de Lexotan que estão matando a mãe de vocês. Se não querem isso, achem uma solução justa. Contratem um administrador profissional e dividam o dinheiro em partes iguais ou qualquer outra coisa civilizada. Se não fizerem isso, após a morte da sua mãe, eu mesmo vou entrar com um processo por homicídio doloso contra vocês.

E a briga deu lugar a um choro emocionado de todos e ele se retirou em triunfo da sala, agradecendo a aula de religião que tinha tido na semana anterior sobre o tal Salomão.


No Colégio

Cinco minutos antes da hora o pai já estava sentado na primeira fileira esperando a chegada do professor do primeiro tempo. Segundo a agenda do filho, o primeiro tempo era História do Brasil, matéria que ele sempre adorou.

Havia um alvoroço do lado de fora da sala. Gritos, risos e muito falatório. Ele buscava as horas no relógio, mas mal sabia mexer naquela traquitana digital que o filho costumava usar. Os amigos foram entrando na sala. Todos mexendo com o pai... Vai sentar na primeira fila? Tá doente? E algumas outras crueldades típicas da idade.

O professor entrou em sala e ele levantou-se em respeito. Foi o único. Todos da sala riram muito e ele ficou sem entender. Até o professor estranhou e disse: - Não vai começar de palhaçada logo cedo... Seu pai não te deu educação? E o pai achou melhor ficar quieto.

Quando o professor começou a aula e a falar sobre a história da cidade do Rio de Janeiro, começaram os incômodos. Era uma asneira atrás da outra. Ele dizia que os portugueses não haviam vindo para o Rio até que os franceses tivessem tomado conta, mas esquecia que os portugueses já haviam sim tido contato com os canibais que moravam na então tribo maravilhosa, e que tinham resolvido deixar para depois a conquista do lugar. Disse que os índios eram selvagens sem educação e pulou o fato de que Villegagnon tinha se tornado amigo de Cunhabebe, cacique dos Tupinambás a ponto de escreverem, juntos, um dicionário Francês-Tupinambá.

Sábio, ele preferiu ouvir as asneiras sem discordar. Pensava apenas no trabalho que teria para educar o filho decentemente no futuro.

E assim foi até a hora do recreio, quando a (ex) namorada se aproximou.

- Você está estranho hoje. O que houve?
- Eu? Estranho? Mas nós não terminamos nosso namoro ontem?
- Terminamos sorrindo, jurando que seríamos amigos para sempre e que sempre poderíamos contar um com o outro. Era mentira? Você prefere que eu vá embora?

Ele gaguejou. Pensou rápido e disse: - Desculpe, estou mexido com isso tudo. Parece que é um filme passando na minha cabeça... não sei se tomamos a decisão certa...

E ela interrompeu: - Tomamos não! Quem tomou a decisão foi você. Quem me disse que não acreditava mais no que sentia por mim, foi você! Quem me falou sobre o que aprendeu com o pai e mãe sobre ser honesto, não mentir e principalmente não iludir foi você! Ou você já esqueceu?

E o pai, sem ação, apenas disse: - Não sei mais se meu pai teria feito o mesmo. E ela respondeu: - Ora, pode parar. Você é apaixonado pelo seu pai, tem por ele a maior admiração que já vi um filho ter, você sabe que pode contar com ele para tudo e você sempre se inspira nele para ser quem você é. Claro que seu pai teria feito o mesmo. Ele jamais iludiria alguém, continuaria namorando só porque já está namorando, faria a outra pessoa acreditar em um amor que não existe mais. Seu pai é um romântico infantil e não um insensível. Que bobagem...

E a menina foi embora, desconcertada com a conversa e o pai chorou.

... ... ...


São 6:00h e o despertador está tocando.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

4 Seasons - Spring & Summer

A Fantasia de Disney

Por que você se cobra tanto?

Tá com tempo? Sempre fui cobrado e de formas bem diferentes. Tinha um pai que me cobrava que eu fosse inteligente e pragmático como ele. Tinha uma mãe que me cobrava que eu fosse sensível e romântico como ela. Tive uma avó que me dizia que o lema da vida dela era “o mínimo que você pode fazer é o máximo que você conseguir”. Tudo isso entrava na minha cabeça de menino com força. Tentava organizar as tarefas como se fossem dever escolar:

- Inteligência. Ler mais! Conversar mais! Resolver problemas complicados! Pensar de várias maneiras sobre qualquer situação! Ser rápido com o pensamento e se der tempo revisar antes de falar!

- Sensibilidade. Prestar atenção na natureza, humana ou divina! Ter fé! Olhar nos olhos não apenas para saber de que cor são, mas para perceber o que eles dizem! Tocar as pessoas sempre que possível para permitir que a energia flua! Perceber que as pessoas tem cheiros diferentes, mesmo que o perfume seja igual! Sorrir sempre! Prestar atenção nas crianças! Prestar atenção nos idosos! Ler poesia sem tentar entender! Olhar quadros por pelo menos dois minutos sem desviar a atenção para tentar ver o que não está lá!

- Romantismo. Mostrar para as pessoas que nada é mais importante que o amor! Viver com entrega absoluta cada momento! Só namorar quando estiver pensando em viver junto para o resto da vida! Dar valor às flores, principalmente às do campo! Escrever e recitar poesias!

Fazer, no mínimo, o máximo. Repetir com esforço todos os dias as práticas aí de cima, sem esmorecer, sem demonstrar fadiga, sem acreditar que algumas coisas são impossíveis.

Meu objetivo de vida é quase o mesmo do Dom Quixote. Digo e sorrio. Me vejo tolo muitas vezes e não desisto de ser tolo. Me sinto menino muitas vezes e ainda sim me recuso a crescer. Cobro de mim mesmo a simplicidade de um sorriso franco. Cobro uma verdade simples e absoluta, da qual às vezes chego a duvidar. Cobro de mim mesmo a disposição para dar aos outros o tanto que aprendi.

“Isso tudo só faz sentido se for pra te fazer bem.”

Eu sei. Acredito nisso. Acredito que não me render ao momento ou às conveniências me fazem mais forte. Acredito que não vale a pena ser mais um e me conformar com isso. Acredito que ser diferente é o mais normal. Acredito que amar é a única coisa que realmente faz sentido na vida. Por isso busco o amor sem medir consequências. Meu único medo é que ele já tenha passado e ficado pra trás, tão longe que eu não possa mais recuperá-lo. Mas, acredito sempre que o melhor ainda está por vir.

Na verdade eu não me cobro. Eu me permito viver assim. Na verdade, saber que tudo isso existe dentro de mim, que sou capaz de ser o dono do maior amor do mundo, de sentir grande, de me emocionar com coisas simples, de chorar de emoção, tudo isso me faz mais feliz, me faz mais realizado e pleno, ainda que cheio de frustrações.


E segue o baile...

Cabeça no Travesseiro

Engraçado. Vim pra frente do computador cheio de vontade de escrever, de colocar as fantasias no tec tec tec do teclado. Sento na frente dele e nada acontece. Começo a digitar na esperança de que as palavras achem seus caminhos e que juntas façam algum sentido.



Comentei sobre esse blog outro dia e recebi uma reação engraçada. Eu disse algo como: - Estou escrevendo um novo blog, escrever me faz bem, me ajuda a me entender e a botar pra fora! E ouvi algo como: - Que ótimo! Quem sabe assim você toma posse das suas fantasias pra você mesmo e para de distribuir as fantasias para os outros.



Tenho tentado fazer isso. De noite, quando coloco a cabeça no travesseiro e apago as luzes, deixo minha cabeça voar solta, sem freio nenhum. Ontem mesmo fui dormir cedo e resolvi praticar um pouco disso. Disse minhas orações e pedi pelos que peço sempre e depois me deixei voar.

Em pouco tempo minha cabeça já não falava mais de coisas reais. A dona Fantasia toma logo conta e vejo gente que não conheço falando sobre coisas que não entendo. As memórias do dia ficam buscando um lugarzinho pra se acomodar. Umas vão ficar, outras vão sumir. A cabeça vira uma grande confusão entre o que está acontecendo, o que aconteceu e o que nunca vai acontecer. É como se os pensamentos fossem pessoas chegando para uma sessão de cinema que passa em forma de sonho, depois que todos estiverem acomodados.

Os pensamentos profissionais sentam lá no fundo. Os familiares mais pra perto. Os emocionais nas primeiras filas. Todos falam sem parar porque as luzes da cabeça ainda estão acessas. De repente as luzes e as vozes diminuem ao mesmo tempo. O silêncio é quebrado pelo sonho que começa sem começo e todos os pensamentos passam a prestar muita atenção.

Na tela/no sonho, pessoas que passaram pela vida surgem em flashes. Tem a menina da minha infância, tem meu pai, tem o motorista da minha mãe de quando eu era garoto, tem os amigos de sempre e tem até a participação especial do grande amor.

Em um determinado momento, um diálogo tem início. Ouço conselhos de uma senhora mais velha que repete com um ar quase desconsolado: - Já não falei pra você parar de sonhar? Vou falar de novo. Não adianta nada as pessoas acharem que você é ótima pessoa, que você é sensível, que você é isso ou aquilo se você não estiver muito feliz. Para de procurar a felicidade aqui no meio dos seus sonhos. A felicidade está no seu dia-a-dia, na sua vida lá fora. Para de sonhar com a lua cheia ou com o arco-íris e vai pra rua ver a lua cheia e o arco-íris. E com uma dose de carinho, muda o tom de voz pra me dizer em seguida: - Seu caminho é lindo, pode ir em frente, vamos continuar aqui.

Acordo incomodado em um sobressalto. O que será que ela quis dizer? Me pergunto, para rir em seguida dizendo para mim mesmo. Ela não quis dizer, ela disse.


E volto a dormir tentando sonhar com a lua cheia e com o arco-íris.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Samba

Naquele dia o menino não queria saber de tristeza. Queria música. Queria samba. Combinou com uns amigos o programa da noite, sem pretensão nenhuma. Eram amigos de verdade. Gente que ri junto. Gente que chora junto. Gente que dá bronca até fazer chorar e depois seca as lágrimas com o mesmo amor de sempre. Ele estava em paz. Tinha passado um tempo em uma onda ruim, mas agora estava bem.

Foram de táxi porque de outra forma não poderiam beber o tanto que queriam. E combinaram de lembrar que esse tanto era apenas o suficiente para desinibir as vozes que deveriam se juntar aos puxadores e as pastoras na roda de samba. Foram rindo e brincando uns com os outros. O taxista quase entrou na roda e no final da corrida confessou que, se não tivesse uma diária a pagar, se juntaria ao grupo.

Na ponta do Aterro do Flamengo, próximo ao aeroporto, eles desembarcaram e compraram seus ingressos para o Samba Luzia. Um encontro de gente boa de verdade. Ninguém famoso demais. Ninguém que eles não conhecessem. Ainda havia mesas e eles escolheram uma pra fazer de ponto de encontro, já que ninguém ficaria sentado. Pediram um balde com cervejas e receberam exatamente isso: copos de botequim e um balde plástico com um abridor pendurado na alça e seis cervejas grandes cobertas de gelo picado. Perfeito!

Não é o fulano? Disse um. É e está com a beltrana, disse a outra, indo cumprimentar. Muitos rostos conhecidos. Rostos do samba. Gente que se cumprimenta com o olhar, com uma leve baixada de cabeça, mas que se conhece e se reconhece por frequentar os mesmos lugares.

Quando chegaram, ainda tocava um sambinha bom arriscado pela roda que esperava o puxador. O menino acendeu um cigarro e foi até a mureta do clube para olhar a paisagem inacreditável. Como é que pode existir um lugar assim? A lua estava cheia e refletia no mar manso da enseada. No fundo, a Urca, o Pão de Açúcar e de longe ainda era possível ver o Redentor. A paisagem encheu o peito do menino de uma emoção sem razão de existir. Tomou um gole da cerveja e olhou fixamente para a lua. “Só os apaixonados conseguem ver o coelhinho na lua” repetia mentalmente a frase que tanto ouviu de um amor antigo. Sorriu quando viu o coelhinho e ergueu um brinde a ele (e a ela) pensando: ou ainda sou apaixonado por ela ou era mentira.

O puxador já estava no “boa noite” quando ele voltou pra perto da mesa e dos amigos. As músicas antigas tomaram conta do ambiente. Uma maneira de empolgar e trazer pra perto o público que já estava lá, afinal todo mundo conhecia aquelas músicas. Puxou de cara a “Escravos da alegria” do Vinícius e o menino viajou nos acordes enquanto todos cantavam juntos “se o amor é fantasia, eu me encontro ultimamente, em pleno carnaval.” Não era carnaval pra ele, mas com a música e o ritmo ele viajava até outros tempos, outros carnavais e sorria.

O grupo se dispersou um pouco. Uns, mais pra esquerda outros, mais pra direita e ele foi pra perto da mesa. Fascinado com os instrumentos de percussão, olhava fixo para o surdo. O sambista batia no ritmo do seu coração e ele continuava sorrindo. Olhou depois para o cavaquinho, sempre com inveja de quem nunca ousou sequer tentar um acorde. Tomou outro gole e arriscou um passo solitário no salão.

As músicas cresceram, todos curtiam, até que ele ouviu os primeiros acordes de “Ex amor”. Tomou logo dois goles rápidos. Aquilo mexia com ele.

Ex amor,
Gostaria que tu soubesses
O quanto que eu sofri
Ao ter que me afastar de ti.
Não chorei!
Como um louco eu até sorri,
Mas no fundo só eu sei
Das angústias que senti.

Sempre sonhamos
Com o mais eterno amor.
Infelizmente,
Eu lamento, mas não deu...
Nos desgastamos
Transformando tudo em dor,
Mas mesmo assim
Eu acredito que valeu.
Quando a saudade bate forte
É envolvente.
Eu me possuo
E é na sua intenção.
Com a minha cuca
Naqueles momentos quentes
Em que se acelerava o meu coração.

Ela começou lenta. Cada verso falava direto com ele. Ele cantava junto tentando sorrir e não lembrar das tais “angústias que sentiu”. Ele preferia a parte que dizia “sempre sonhamos com o mais eterno amor” mas a música, ele já sabia, ficaria na sua cabeça até o final da noite.

Será que eu devia ter ficado em casa? Ele se perguntava, perdido entre as notas e os versos quando levantou o rosto para olhar em volta e encontrou o sorriso largo do seu ex amor. Ficou paralisado por um tempo, sem saber como reagiria àquele encontro e sorriu também.

Ainda hipnotizado não percebeu que a música acabava, mas ouviu quando ela pediu no tempo certo que o grupo emendasse a música em outra do mesmo Martinho da Vila e eles cantaram Disritmia, que começava assim...

Eu quero me esconder debaixo
Dessa sua saia prá fugir do mundo.
Pretendo também me embrenhar
No emaranhado desses seus cabelos.

Preciso transfundir meu sangue
Pro meu coração que é tão vagabundo.
Me deixa te trazer num dengo
Prá um cafuné fazer os meus apelos.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Mágica

Que existe mágica no ar, o menino não tem dúvidas. A energia circula como o vento. Levando e trazendo sentimentos difusos que estão por toda parte. Sentimentos não tem forma, não tem cheiro e se espalham por toda parte. Ele tem até medo de levar uma lufada de mau-humor numa esquina da vida, mas nem por isso deixa de andar pelas ruas.

O menino pensa que se o coração estiver aberto para sentir, ele poderá “dar terra” na energia. É como a eletricidade. Se você ficar no caminho ela passa por dentro de você até encontrar o chão, mesmo que você, por conta disso, saia um tanto chamuscado.

O amor, para o menino, é uma espécie de eletricidade mágica que, em princípio, não machuca e que tem até propriedades curativas e milagrosas. O amor forma um círculo mágico que protege duas pessoas de qualquer coisa. Não tem falta de dinheiro capaz de entrar no meio desse círculo, não tem problemas e brigas familiares capazes de romper a mágica. A única forma desse círculo mágico se romper é de dentro pra fora.

Assim, o menino seguiu sua vida procurando a mágica por entre os ventos que encontrou. Os sinais podiam estar em qualquer lugar. Podia estar em um cheiro especial, daqueles que a gente guarda no fundo da memória e que fica tentando cheirar de novo a vida toda. Podia ser em um toque, um simples encostar de uma pele na outra e isso bastaria para se perceber o amor. Podia ser numa palavra. A “palavra” que dita na hora certa serviria como chave que abre o coração do outro.

A mágica sem forma e sem cor é absolutamente perceptível aos que amam e só a eles. Só os apaixonados conseguem ver um coelhinho na lua em noites de lua cheia. Só os apaixonados são capazes de colocar sentimentos nas flores que entregam. Só os apaixonados tem pressa de chegar logo o momento de ser recebido na porta de casa com um sorriso. Os apaixonados entram em sintonia e, se prestarem atenção, começam a viver em sincronicidade. Um pensa e o outro fala, um lembra e o outro sabe.

É daí que vem toda a dificuldade do menino com as relações que precisam ser pensadas e pesadas. Por que pensar sobre a mágica? Pra que pesar a mágica? Por que as pessoas tem tanto medo de acreditar e de viver a mágica? Por que dizem ao menino que ele precisa crescer e viver apenas da realidade? Ele não entende. Nunca entendeu e nunca quis viver assim e por isso sofreu tanto por amor.

Quantas vezes o menino se viu entre o caminho da realidade e o caminho da mágica. Poucas foram as em que ele optou pela realidade. Pra ele a realidade é como o fogo que queima, aquece, mas que também machuca e se extingue. Pra ele a mágica é como o ar que alimenta o fogo, acaricia os rostos, passeia sem limites por qualquer espaço e entra sem pedir licença por qualquer fresta.


É o que ele pensa.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Viciado em Fantasia

Esse troço de fantasia é um vício. Pior que cigarro, pior que a maior parte das drogas que eu conheço, pior que álcool. Sei lá, acho que o vício em fantasia é bem complicado de se curar, se é que tem cura. Talvez seja o caso de criar o F.A. – Fantasiosos Anônimos.

...

Meu nome é menino e estou sem fantasia há tanto tempo. Aplausos gerais, seguidos de um depoimento emocionado.

Tudo começou quando eu ainda era muito novo. Minha mãe foi a primeira pessoa a me falar que fantasia era legal. Ela me dizia que eu tinha uma imaginação incrível, que era capaz de imaginar as coisas mais maravilhosas do mundo e que isso era bom. Eu acreditei.

Logo nos meus primeiros namoros a fantasia foi tomando conta de mim. A primeira namorada era a minha razão de viver, minha grande questão existencial. Lembro que liguei para ela e coloquei uma fantasia na vitrola para tocar. Era outro viciado irrecuperável que girava nas rotações da vitrola cantando “Se você quer ser minha namorada...”. Foi quando me tornei um traficante de fantasias. Lembro que a menina quis comprar comigo e eu vendi muita fantasia pra ela. Ríamos, saíamos, brincávamos, éramos muito felizes enquanto durou.

Eu consumia tanta fantasia que acabei querendo vender para outras pessoas também. Encontrei outra menina que quis experimentar e depois outra e assim por diante. Quando me dei conta tinha virado o fornecedor oficial de fantasia para um monte de gente. Uma de cada vez, é bem verdade, mas não parava de vender.

O tempo passou e um dia encontrei uma moça que queria me tirar dessa vida. Parei de vender fantasia por um bom tempo, quase quinze anos. Mas no meio dessa história tivemos uma filha e com ela o gosto pela fantasia reapareceu. Olhava para aquela criança e pensava: - Será que ela não vai sentir o gosto de fantasia? E aos poucos fui voltando a pensar nisso, até que optei por uma separação e novamente o mundo da fantasia me pegou.

Logo depois conheci a maior fantasia de todas. Não sei bem se ela era tão viciada quanto eu, mas consumimos quantidades industriais de fantasia juntos. Tanta, mas tanta fantasia que acabamos tendo uma overdose. Confesso que sobrevivi com dificuldades. Reduzi a dose e aos poucos fui tomando o controle de novo.

Conheci outras pessoas. Consumi mais fantasia. Mas sempre em doses menores. Até que conheci outra fantasia muito grande e quase me deixei levar pelo consumo sem limites. Os efeitos eram poderosos, mas o fato de saber que era fantasia me deixava apavorado. O medo de uma nova overdose é maior do que a minha necessidade, maior que meu vício.

Algumas pessoas me falaram e continuam me falando que isso tem tratamento, tem cura. Eu sei, ouvi muito falar do remédio, mas também tenho medo dele. Dizem que a tal Realidade embrutece, endurece, amadurece e cega as pessoas.

Meu nome é menino e estou sem consumir fantasia há um tempo. Não sei quanto tempo vou conseguir viver sem ela ou se um dia descubro a dose certa que tomada junto com o remédio não faz mal e não me faz diferente do que sempre quis ser.


Essa é minha história.

O Primeiro Amor do Menino

Existia em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, um jardim de infância chamado Canarinhos. Era uma casinha de fachada estreita que seguia até o fundo do quarteirão. O Menino e seu irmão foram estudar lá e foi lá que ele amou pela primeira vez.

Antes da pré-escola ele havia conhecido meninas que frequentavam a mesma praça no final do Leme. Nunca teve tempo de amar por lá, porque as meninas nem sempre iam no mesmo horário e porque ele estava muito mais preocupado em decorar a letra inteira de Ciranda-Cirandinha que era bem difícil.

No Canarinhos era diferente. Na parte de trás havia um quintal de cimento que ele não gostava muito. Na parte da frente, uma grande caixa de areia, havia um desses brinquedos que rodam em torno do próprio eixo com as crianças sentadas numa espécie de banco de metal redondo. Foi nesse brinquedo que ele notou a menina pela primeira vez. Um cabelo lindo quase loiro e escorrido, uns olhos fortes e um sorriso largo. Seu coração disparava toda vez que via aquela menina linda por ali e ele ficava por perto apenas para ver a menina sorrir.

Um dia, houve um passeio ao Zoo. Iam todos de ônibus escolar conhecer os animais que eles só haviam visto antes em livros e desenhos animados. Ele ficou radiante, ia ter a companhia da menina por todo o dia. Pensou em oferecer um sorvete. Imaginou poder andar de mãos dadas, carregar a mochila dela, qualquer coisa. E ele foi feliz da vida com seu uniforme amarelo para o passeio.

O Zoo estava meio molhado por conta de uma chuva forte que havia caído um dia antes. Algumas poças de lama estavam no caminho de todos, mas ele nem se atentou a isso e seguiu com o grupo, sempre de olho na menina que fazia seu coração disparar. O problema é que de tanto olhar para a menina ele não percebeu uma tal de “pedra no meio do caminho” e tropeçou dando de cara com uma das poças e se sujando por inteiro.

Todas as crianças do passeio caíram imediatamente em uma daquelas gargalhadas maldosas que só as crianças podem dar. Ele pensou: - Tenho duas opções. Posso chorar ou posso tentar levar isso para o lado engraçado. E decidiu rápido: - Vou aproveitar!

Levantando do chão, o menino olhou para os amigos rindo e disse: - Quem quer um abraço!?!? E saiu atrás da turma que entrou em algazarra. Ele tinha um alvo certo e perseguiu a menina até conseguir chegar bem perto. E ela disse seu nome e pediu para ele não fazer aquilo. Ela sabia seu nome. De repente isso era mais do que o suficiente para que ele se sentisse limpo como um anjo, mais feliz do que qualquer outra pessoa no mundo. Aquilo era o bastante e ele passou o resto do dia sujo e feliz, como nunca antes.


Naquele dia ele aprendeu quer amar é estar feliz. E guardou isso para sempre.

Pode isso?

O menino estava lá. De um lado pro outro, sempre arrumando uma forma de passar perto da sua mãe que conversava com uma de suas amigas de faculdade. A mãe entrou muito tarde no mundo universitário e por isso tinha mais experiência e mais opiniões para compartilhar com as amigas. Ela virou uma espécie de irmã mais velha de todas elas.

O menino tentava escutar a conversa, mas só conseguia entender partes dela. Sabia que a amiga da mãe tinha dúvidas sobre namorar ou não um homem casado. Entendeu que ela havia saído algumas vezes com o tal homem e isso despertava uma enorme curiosidade nele. Pode isso?

Ele não conseguiu ouvir muito naquele dia, mas o assunto o perseguiu.

- Mãe... posso perguntar uma coisa?
- Claro filho!

Foi a senha pro início de uma conversa franca. Ele queria saber se era normal que os homens casados saíssem com outras mulheres e mesmo se ele poderia sair com outras meninas mesmo tendo sua namorada.

A mãe, sábia, devolvia as perguntas com perguntas. Ele perguntava se podia sair com outra e ela perguntava se ele tinha vontade. Ele perguntava se as mulheres aceitavam isso e a mãe perguntava se era aceitável. Foi uma daquelas conversas que ajudaram o menino a formar seu caráter. Não ele não tinha vontade de sair com mais ninguém. Não ele não achava aceitável.

Alguns anos se passaram e ele conheceu uma menina, um pouco mais velha, na faculdade. Bonita e sensual, a moça logo lhe chamou a atenção e ele, sempre sedutor deu um jeito de emendar uma conversa em uma cerveja e uma cerveja em um beijo e um beijo em uma saída para um tal de “lugar mais reservado”.

Os carinhos cresceram, a vontade cresceu e logo eles se agarravam como amantes antigos. Um procurava no corpo do outro alguma parte que ainda não tivesse sido acarinhada ou beijada para que não ficasse nada de fora.

Ele experimentava beijos na nuca, pequenas mordidas na orelha enquanto passava sua mão grande no torso da mulher recém-conquistada que gemia e se entregava. Acabaram na casa dele e aquela fome quase selvagem virou um sexo delicioso, cheio de descobertas, sensualidade, erotismo, palavras limpas e sujas se misturando sem pudor.

O macho dentro daquele menino enchia seu peito de prazer. A conquista tinha se realizado. Ele estava dentro da sua presa e ela gozava alto, gemia alto, enlouquecia alto e tudo isso lhe dava o prazer de quem conquista uma montanha que nunca foi escalada.

Na hora do cigarro de depois, ela corta o clima e avisa: - Preciso ir embora, meu marido já deve estar em casa.

O mundo dele cai por terra. Marido? Como assim? Você falou marido???

Depois eu te explico, foi tudo o que ele ouviu. Ela foi embora e ele seguiu pensando noite adentro. Seu tesão e sua vontade viraram repúdio imediato. Ele se prometeu não sair mais com aquela mulher. Mas os pensamentos não paravam e as questões surgiam, uma depois da outra... foi difícil dormir naquele dia.

Dois dias depois ele reencontrou a mulher casada. Mesmo lugar, mesmo cenário, mesmo roteiro e pior: mesma vontade.

Ela já chegou beijando ele que rendeu-se fácil ao afago. Seu cheiro mexia com ele. Sua pela mexia com ele. Ela mexia com ele. Quando se deu conta já estavam de novo na casa dele seguindo os instintos mais primitivos negando as verdades mais básicas. Foi bom novamente. Mas não foi tão bom.

Acendeu o mesmo cigarro e antes dela sair correndo pra sua casa ele disparou. Eu não vou mais ver você. Andei pensando e acho que se você tem um marido e um amante é porque você não gosta de você mesma. E se você não gosta de você, não sou eu quem vai gostar.

As palavras doeram nela. Houve choro. Houve explicações. Houve lamento. O menino conversou, ouviu, falou. Ela também. Ao final, ele disse que o que acontecia é que ele não conseguia mais acreditar em uma relação possível. Seus sonhos e fantasias tinham evaporado. Ela dizia que o que eles tinham era só deles. Ele ouvia dizia que não tinham nada, só o sexo pelo sexo. O que para ele era muito pouco.

A honestidade da conversa fez bem aos dois. Viraram amigos. Ganharam o respeito um do outro. Nunca mais saíram juntos, mas ele estava lá para secar as lágrimas dela quando ela se separou do marido. E estava lá, como padrinho do segundo casamento dela.


E foram felizes para sempre.

Fantasias de Menino

Vontade de escrever de novo. Um novo blog pode ser o caminho. Vontade de falar sobre gente... o tal do ser humano que me surpreende todos os dias, pro bem e pro mal. Mas não tô a fim de ficar falando por opiniões, prefiro inventar histórias, adaptar fatos da vida e escrever, sem muita censura... e vamos nós!


Escolhi falar através do “menino”. Personagem? Não. Sou eu mesmo, só que de um ponto de vista ingênuo. Com a perspectiva de quem ainda acredita nas pessoas e nas fantasias, mesmo sabendo dos perigos deste caminho.