O menino assistiu aquele filme, típico de sessão da tarde, em que duas
pessoas trocam de lugar. O homem mais velho vira criança e o garoto vira
adulto. Aquele que tem a cena do piano na Fao Schwatrz em Nova York. Em
português chamou-se “Quero ser grande”, em inglês “Big”. Era aquilo mesmo que
ele queria. Um filme leve que lhe trouxesse o sono e inspirasse sonhos.
E eles, o sono e o sonho, vieram...
... ... ...
Uma discussão com o pai. Tudo começou quando ele resolveu contar que
tinha terminado seu namoro. O pai o repreendeu dizendo que não era possível,
mas caiu na bobagem de dizer algo como: “- Sem falar em todo o investimento.” O
menino ficou louco com aquilo. Que investimento? Do que você está falando? E o
pai falava em dinheiro gasto com almoços, presentes, viagens e outras bobagens
que deixaram o filho magoado. Ele só conseguia pensar no fim de uma história em
que ele acreditou e no investimento emocional que não havia dado os lucros e
dividendos que ele esperava. A briga cresceu e cresceu e cresceu... o filho
chamava o pai de insensível e o pai chamava o filho de romântico infantil, até
que no mesmo momento eles disseram:
- Eu queria estar no seu lugar!
E viraram as costas um para o outro e foram dormir. Na manhã seguinte o
susto, um no lugar do outro, igualzinho ao filme. O pai tinha uma reunião
importante e o filho uma prova de química dificílima. Sem tempo para buscar uma
solução, assumiram os lugares trocados e foram cada um para o lugar do outro.
No escritório.
O menino chegou cedo como o pai costumava fazer. Abriu o escritório e sentou-se
na poltrona confortável em frente à mesa grande. Mexeu em alguns papéis, sem
entender o que eram e ficou brincando de ser gente grande. Meia hora depois a
secretária entra trazendo o café de todos os dias e avisa: - Seus clientes já
estão aí. Levo pra sala de reunião? Ainda meio perdido ele só respondeu que
sim. Tomou o café, ajeitou, sem jeito, a gravata e foi encontrar com eles.
Era um caso de família. Mãe, irmão e irmã haviam ido se aconselhar
sobre os termos do testamento. Junto com eles um advogadozinho que o irmão
havia levado. O menino cumprimentou a todos e pediu que a mãe falasse antes.
- Ah Doutor, esses dois não tem jeito. Eu nem morri e eles já não se
falam mais por conta do que vão ou não herdar. Estou triste demais para falar
qualquer coisa, só não queria morrer com esses dois assim.
- Ora mamãe, você sabe muito bem que a culpa não é minha. Foi ele que
resolveu me dizer que tem mais direitos do que eu só porque é formado em
administração e tem dois filhos.
- Não é nada disso. O que não dá é pra você herdar uma companhia apenas
para gastar o dinheiro dela. Se você não sabe administrar, a companhia fica
comigo e você vai morar em Búzios.
O clima não era bom. A mãe com o olhar triste não achava um caminho de
conciliação possível. O irmão queria mais é que a irmã se danasse. A irmã
queria apenas torrar o dinheiro e viver a vida louca. E o advogadozinho só
pigarreava. O menino pensava no que o pai diria e ficou ouvindo a briga até que
deu com a palma da mão na mesa grande, ecoando um barulho seco e calando a
família.
- A senhora já ouviu falar de Salomão, perguntou o menino para a mãe.
- Sim, é claro.
- Pois bem, porque não fazemos da seguinte forma: pedimos a minha
secretária um copo de água e duas caixas de Lexotan que eu devo ter na minha
gaveta. A senhora toma tudo de uma vez e deixa esses dois comigo. Viver triste
assim não faz sentido, não é mesmo?
Os irmãos ouviram, perplexos, a sugestão do menino. O advogadozinho
pediu para ir ao banheiro e a mãe sorriu e disse: - O senhor tem toda a razão,
façamos isso mesmo.
- Você vai deixar ela fazer isso? perguntaram ao mesmo tempo, irmão e
irmã.
- Claro que não, responderam de novo em uníssono.
- Bom sinal. Achei que estava conversando com dois ladrões
profissionais e estou vendo que vocês são bem amadores. Só que precisam
entender que vocês são as caixas de Lexotan que estão matando a mãe de vocês. Se
não querem isso, achem uma solução justa. Contratem um administrador
profissional e dividam o dinheiro em partes iguais ou qualquer outra coisa
civilizada. Se não fizerem isso, após a morte da sua mãe, eu mesmo vou entrar
com um processo por homicídio doloso contra vocês.
E a briga deu lugar a um choro emocionado de todos e ele se retirou em
triunfo da sala, agradecendo a aula de religião que tinha tido na semana
anterior sobre o tal Salomão.
No Colégio
Cinco minutos antes da hora o pai já estava sentado na primeira fileira
esperando a chegada do professor do primeiro tempo. Segundo a agenda do filho,
o primeiro tempo era História do Brasil, matéria que ele sempre adorou.
Havia um alvoroço do lado de fora da sala. Gritos, risos e muito
falatório. Ele buscava as horas no relógio, mas mal sabia mexer naquela
traquitana digital que o filho costumava usar. Os amigos foram entrando na
sala. Todos mexendo com o pai... Vai sentar na primeira fila? Tá doente? E algumas
outras crueldades típicas da idade.
O professor entrou em sala e ele levantou-se em respeito. Foi o único. Todos
da sala riram muito e ele ficou sem entender. Até o professor estranhou e
disse: - Não vai começar de palhaçada logo cedo... Seu pai não te deu educação?
E o pai achou melhor ficar quieto.
Quando o professor começou a aula e a falar sobre a história da cidade
do Rio de Janeiro, começaram os incômodos. Era uma asneira atrás da outra. Ele dizia
que os portugueses não haviam vindo para o Rio até que os franceses tivessem
tomado conta, mas esquecia que os portugueses já haviam sim tido contato com os
canibais que moravam na então tribo maravilhosa, e que tinham resolvido deixar
para depois a conquista do lugar. Disse que os índios eram selvagens sem
educação e pulou o fato de que Villegagnon tinha se tornado amigo de Cunhabebe,
cacique dos Tupinambás a ponto de escreverem, juntos, um dicionário
Francês-Tupinambá.
Sábio, ele preferiu ouvir as asneiras sem discordar. Pensava apenas no
trabalho que teria para educar o filho decentemente no futuro.
E assim foi até a hora do recreio, quando a (ex) namorada se aproximou.
- Você está estranho hoje. O que houve?
- Eu? Estranho? Mas nós não terminamos nosso namoro ontem?
- Terminamos sorrindo, jurando que seríamos amigos para sempre e que
sempre poderíamos contar um com o outro. Era mentira? Você prefere que eu vá
embora?
Ele gaguejou. Pensou rápido e disse: - Desculpe, estou mexido com isso
tudo. Parece que é um filme passando na minha cabeça... não sei se tomamos a
decisão certa...
E ela interrompeu: - Tomamos não! Quem tomou a decisão foi você. Quem
me disse que não acreditava mais no que sentia por mim, foi você! Quem me falou
sobre o que aprendeu com o pai e mãe sobre ser honesto, não mentir e
principalmente não iludir foi você! Ou você já esqueceu?
E o pai, sem ação, apenas disse: - Não sei mais se meu pai teria feito
o mesmo. E ela respondeu: - Ora, pode parar. Você é apaixonado pelo seu pai,
tem por ele a maior admiração que já vi um filho ter, você sabe que pode contar
com ele para tudo e você sempre se inspira nele para ser quem você é. Claro que
seu pai teria feito o mesmo. Ele jamais iludiria alguém, continuaria namorando
só porque já está namorando, faria a outra pessoa acreditar em um amor que não
existe mais. Seu pai é um romântico infantil e não um insensível. Que bobagem...
E a menina foi embora, desconcertada com a conversa e o pai chorou.
... ... ...
São 6:00h e o despertador está tocando.